terça-feira, 26 de outubro de 2010

O Deus que Conheço


          
Eu iria falar sobre esse assunto mais tarde, mas uma postagem em meu blog, feita por um grande amigo e irmão, criticando o excesso de citações bíblicas de meus textos, me fez sentir a necessidade de publicar logo um artigo sobre os fundamentos de minha fé. Quando me afirmo cristão, de modo algum estou me identificando com as pessoas que abarrotam nossas igrejas, sejam elas católicas ou protestantes. Sou cristão principalmente por buscar orientar minha vida pelo exemplo ético e prático de Jesus. A Bíblia e a Igreja para mim, só têm validade na medida em que falam de Cristo. E nesse ponto, devo esclarecer duas coisas: a Bíblia fala de Jesus, mas não o faz o tempo todo, o cristão de verdade deve buscar a Jesus dentro da Bíblia. E as igrejas há muito deixaram de pregar a Jesus, para pregar a si mesmas. Mas então quais seriam as bases de minha fé? Tudo começa no Evangelho de João, onde lemos: “no princípio era o Verbo”. A palavra “verbo” é tradução do grego “logos”, e seu significado literal é “palavra”, “discurso”. Vejo até um certo valor na tradução “verbo”, por ser essa a classe de palavras que representa ação, movimento. O Logos, portanto, seria a Palavra de Deus posta em movimento. Mas em minha opinião, há uma interpretação mais profunda para esse termo: o Evangelho de João foi escrito para uma comunidade grega, familiarizada com a filosofia de Aristóteles, para quem a matéria que compõe o universo sempre existiu, mas era uma massa disforme, desordenada, chamada por ele de Caos. O Logos seria o princípio ordenador do universo, que lhe deu forma, ordem e inteligibilidade, transformando o Caos em Cosmos. O autor do Evangelho de João afirma ser Jesus o Logos divino encarnado, feito imagem e semelhança do homem.
No discurso proferido em Atenas, registrado no livro dos Atos dos Apóstolos, na Bíblia, Paulo afirma que em Deus nós vivemos, nos movemos e existimos. Ou seja, Deus não apenas criou, mas mantém constantemente o universo, do contrário todo o Cosmo se aniquilaria, se desintegraria. A Teologia Cristã chama isso de Providência Divina, e tanto a Bíblia quanto a filosofia aristotélica dizem também ser o Logos o responsável pela manutenção do Cosmo. E como o Logos também conferiu inteligibilidade ao Cosmo, é possível ao homem não só viver, mas conhecer e ver sentido no universo.
O alicerce de minha fé é esse: o Logos Divino perpassa toda a Criação, e se manifesta o tempo todo aos homens, em maior ou menor grau (algo como a idéia da “Força”, das trilogias cinematográficas de Star Wars). E em Jesus de Nazaré, o Logos ganha sua expressão máxima no mundo. Sendo assim, toda a mensagem de Jesus já havia sido dada,  de forma embrionária e/ou fragmentária, em outros contextos. Não há um único ensinamento de Jesus que não esteja presente em outras religiões, e o mesmo Logos transmite esses ensinamentos a todas elas. Não me interessa então os detalhes teológicos do Cristianismo, nem suas tradições e rituais, a não ser quando estou pensando Teologia Cristã. Interessa-me apenas estar diante das mais variadas situações e me perguntar: “que faria Jesus numa situação dessas?”, “que significado isso teria para Jesus?”. E aí descubro que o grande mandamento de Cristo foi apenas que amássemos a Deus sobre todas as coisas, e ao próximo como a nós mesmos. Mas isso também é dito no Budismo, no Islamismo, nas religiões espíritas, enfim, em todas as religiões. Para isso só precisamos procurar nas religiões aquilo que elas têm de melhor, sua essência, e não a tinta com a qual os líderes religiosos a pintaram ao longo dos séculos.
Mas se o Logos está presente em toda parte, por que razão sou cristão, e não de nenhuma outra religião? Por que creio eu ser Jesus, e não qualquer outro, a expressão máxima do Logos, do amor de Deus, no mundo? Essa pergunta não possui nenhuma resposta racional. Jesus simplesmente fala ao meu coração como nenhum outro. Mas lembrem-se: estou falando de Jesus, e não da letra fria e morta da Bíblia, e muito menos das instituições corruptas que advogam para si a posse exclusiva da divindade, e se autodenominam injustamente de “Igreja”. Igreja de verdade é toda reunião de dois ou mais em nome de Jesus (em nome do Logos, na verdade), e não em nome de si mesmos. Caio Fábio costuma dizer que a Bíblia lida sem Jesus torna-se a mãe de todas as heresias, e eu completaria dizendo que a Igreja sem Jesus é simplesmente “Sinagoga de Satanás” (não creio que o Diabo exista, mas uma igreja sem Jesus – e praticamente todas elas o são – é o mais próximo que consigo pensar do Coisa-Ruim).
Assim, eu afirmo: toda pessoa que busca de forma sincera vai encontrar a Deus, independente da religião pela qual ela irá empreender essa busca. Na verdade, Deus é quem irá encontrá-la, através de seu Verbo. Minha opção por Cristo vem do fato Dele, mais do que qualquer outro, falar ao meu coração. Essa opção é motivada unicamente pela fé. E esta é definida na própria Bíblia como a confiança em coisas que não podemos provar. Creio que todas as pessoas serão reconciliadas por Deus. Creio que essa reconciliação é dada por meio do Logos, e apenas através Dele. Creio que Jesus é a suprema revelação do Logos ao homem, mesmo não sendo a única. O budista não será “salvo” por seu budismo, nem o espírita por seu espiritismo, e muito menos o cristão o será por seu cristianismo. O ser humano fará as pazes com Deus através do Logos, que criou e mantém o universo, e um dia se fez homem para nos dizer: “o Reino de Deus já está entre vós”, e para nos admoestar: “amai-vos uns aos outros”. Todos serão salvos por Jesus, e a religião é o que menos importa.
Não deve haver, portanto, nenhum estranhamento no fato de eu fazer constantemente citações bíblicas. Afinal, trata-se da fonte de onde extraio minha orientação de fé. Apenas preciso deixar claro uma coisa: eu não advogo a famosa inerrância da Bíblia. Não creio nela como um livro divinamente inspirado em sua totalidade, isento de erros do primeiro ao último caracter. A Bíblia para mim não é a Palavra de Deus, ela apenas contém a Palavra de Deus. A Palavra de Deus é a mensagem trazida a nós por Jesus, e o texto bíblico é tão somente o código através do qual essa mensagem foi passada. E o dever do verdadeiro cristão é justamente extrair a Palavra de Deus da Bíblia.
Os teólogos costumam usar uma ferramenta de interpretação chamada “chave hermenêutica”, que é um conceito a partir do qual se faz a interpretação de todos os outros. Para mim, faço novamente coro com as palavras de Caio Fábio, e afirmo que a única chave hermenêutica válida para interpretar a Bíblia é Jesus Cristo. Quanto mais um texto se parece com Jesus, mais ele é “divinamente inspirado”, sendo o contrário também verdadeiro.
Essa é, de forma bem sucinta, a base de minha fé.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

CONFISSÃO E DESABAFO



Desde quando tomei a decisão de publicar os textos contendo minhas reflexões filosóficas em um blog, tenho recebido o retorno de muitos “leitores”, a maioria elogiando os assuntos abordados, a forma como são abordados, minha “sensibilidade” e “percepção” da vida, enfim, as pessoas vêem um trabalho de alguém que tem algo a dizer. Em pouco mais de um mês no ar, o blog ultrapassou a marca de 300 acessos. Nada mal para um blog que trata de temas densos.
Mas eu preciso fazer uma confissão, em nome da verdade pura e simples: provavelmente todos os meus leitores irão supor uma obrigatória coerência entre minhas palavras e minhas atitudes. Eu viveria, então, uma vida calcada em todos os valores que defendo em meus textos. Isso fatalmente faria de mim uma pessoa genial, uma verdadeira mistura de filósofo, poeta e santo, como sugere o título do blog. Aliás, façam fila, meninas, pois vocês estão diante de um bom partido! Bom, gente, essa última frase foi uma piada. Na verdade, existe em mim, como em quase todo ser humano, uma distância, às vezes abismal, entre as coisas que falo ou escrevo, os valores que defendo, e a forma como realmente vivo, e muitas vezes isso nem é culpa minha. Ter ciência de algo ser certo e colocar esse algo em prática são duas coisas diferentes.
Antes de qualquer coisa sou um ser humano, sujeito a alegrias e tristezas, a paixões e sonhos, a medos, dúvidas e angústias, a egoísmos e mesquinharias, aos sofrimentos e mazelas da vida. Sou capaz dos mais sublimes gestos de bondade, mas também das mais vis atrocidades. E exatamente essa condição paradoxal é o fator a me constituir humano. Com isso, um dos principais leitores de meus textos acaba sendo eu mesmo. Por diversas vezes, o alvo da crítica em meus escritos não é nada nem ninguém além de mim. Sou eu me admoestando, apresentando a mim mesmo uma saída sábia e digna para situações nas quais eu não agi bem. Sou eu me dizendo claramente: “você deveria ter agido dessa forma, mas não o fez!”
Jesus não foi como nós. Pelo menos não o Jesus da Fé. Os primeiros cristãos viram em Jesus uma coerência tão radical entre as coisas que Ele dizia e suas atitudes, que não foram capazes de escapar da conclusão: esse homem não pode ser apenas humano, ele também precisa ser Deus.
Na Bíblia, Novo Testamento, Epístola aos Romanos, o apóstolo Paulo faz uma interessante reflexão: ele percebe que conhece a lei de Deus, quer praticá-la, mas simplesmente não consegue, ficando sempre compelido a fazer aquilo que sabe ser errado. Paulo atribui isso à condição pecaminosa inerente ao homem, e conclui que a única coisa capaz de livrá-lo dessas amarras é o amor de Deus, expresso em Jesus de Nazaré.
Na Epístola aos Filipenses, o autor declara em alto e bom som a condição divina de Jesus. No entanto, o mesmo texto afirma ter Jesus se esvaziado de sua divindade na Encarnação, tornando-se como os homens. Qual o significado disso? Teria Jesus se tornado um ser humano qualquer, esse paradoxo produtor de bondades e de maldades aglutinado no mesmo ser? De acordo com o que penso sobre a morte de Jesus, isso não procede: Jesus identificou-se com a raça humana não por ter cometido os mesmo erros, mas apenas por sofrer junto dela os mesmos sofrimentos. Jesus viveu e morreu na cruz por nossos pecados, mas sua intenção não era pagar por eles, mas sim sentir em seu próprio ser, em suas entranhas, todas as suas conseqüências. Essa forma de entender o sacrifício de Cristo nem é muito comum no cristianismo histórico, mas a considero a melhor forma de entender essa questão.
Na pessoa de Jesus de Nazaré, Deus em pessoa veio até nós, para experimentar a nossa dor, e no Evangelho de João, Jesus nos dá o mais importante dos mandamentos: que nós, seres humanos, nos amemos uns aos outros, como Ele nos amou. Isso nos obriga a também nós nos identificarmos com a miséria, com o erro, com o pecado alheio. Até mesmo o mais torpe dos criminosos merece nossa compaixão. Mesmo porque poderia ser nós no lugar deles, cometendo os mesmos crimes, e carecendo de compaixão tanto quanto eles. A diferença entre um criminoso e um homem de bem muitas vezes pode ser explicada pelas diferenças na história de vida de cada um deles.
A Primeira Epístola de João chama de mentiroso quem diz amar a Deus e não amar ao próximo, porque não há como amar a Deus, que não vemos, sem antes amar ao próximo, que podemos ver, com o qual podemos interagir. Mais importante ainda: sendo nós imagem e semelhança de Deus, como o primeiro livro do Velho Testamento afirma, a melhor maneira de amar a Deus, que é intangível, é através de sua imagem e semelhança. Em outras palavras, o serviço a Deus passa invariavelmente pelo serviço ao homem. A Bíblia condena que se façam imagens de Deus exatamente porque não precisamos delas. O próprio Deus nos deu uma imagem Dele mesmo para que O sirvamos através dela, e essa imagem se chama SER HUMANO.
Portanto, amados leitores, caso vocês me vejam contradizer todas as coisas que defendo com unhas e dentes, por qualquer fraqueza minha, peço tão somente essa compaixão que se identifica com todo sofrimento. Como todo ser humano, sei o que é certo, mas nem sempre pratico o que é certo, e só o perdão pode me apontar uma saída para fazer melhor da próxima vez.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

De Volta a Idade das Trevas!


          Gente, criei esse blog basicamente para divulgar meus textos. Contudo, achei na internet um texto fantástico, cujo autor se chama Douglas Avelino, que nos alerta dos perigos de elegermos esse tucano careca, que só não vai fazer o país voltar ao mar de lama em que vivíamos porque o Brasil vai escolher CONITNUAR MUDANDO. O texto:


Desculpem amigos, vou votar no Serra.

"Cansei...Basta"! Vou votar no Serra..
Cansei de ir ao supermercado e encontrá-lo cheio. O alimento está barato
demais. O salário dos pobres aumentou, e qualquer um agora se mete a
comprar, carne, queijo, presunto, hambúrguer e iogurte.


Cansei dos bares e restaurantes lotados nos fins de semana. Se sobra algum,
a gentalha toda vai para a noite. Cansei dessa demagogia.


Cansei de ir em Shopping e ver a pobreza comprando e desfilando com seus
celulares.
O governo reduziu os impostos para os computadores. A I nternet virou coisa
de qualquer um. Pode? Até o filho da manicure, pedreiro, catador de papel,
agora navega...
Cansei dos estacionamentos sem vaga. Com essa coisa de juro a juro baixo,
todo mundo tem carro, até a minha empregada. " É uma vergonha! ", como
dizia o Boris Casoy. Com o Serra os congestionamentos vão acabar,
porque como em S.Paulo, vai instalar postos de pedágio nas estradas
brasileiras a cada 35 km e cobrar caro.


Cansei da moda banalizada. Agora, qualquer um pode botar uma
confecção. Tem até crédito oferecido pelo governo. O que era exclusivo
da Oscar Freire,
agora, se vende até no camelô da 25 de Março e no Braz.


Vergonha, vergonha, vergonha...
Cansei de ir a banco e ver aquela fila de idosos no Caixa Preferencial,
todos trabalhando de office-boys.


Cansei dessa coisa de biodiesel, de agricultura familiar. O caseiro do meu
sítio agora virou "empreended or" no Nordeste. Pode?


Cansei dessa coisa assistencialista de Bolsa Família. Esse dinheiro poderia
ser utilizado para abater a dívida dos empresários de comunicação (Globo,
SBT, Band, RedeTV, CNT, Fôlha SP, Estadão, etc.). A coitada da "Veja"
passando dificuldade e esse governo alimentando gabiru em Pernambuco. É o
fim do mundo.


Cansei dessa história de PROUNI, que botou esses tipinhos, sem berço, na
universidade. Até índio, agora, vira médico e advogado. É um desrespeito...
Meus filhos, que foram bem criados, precisam conviver e competir com essa
raça.


Cansei dessa história de Luz para Todos. Os capiaus, agora, vão assistir TV
até tarde. E, lógico, vão acordar ao meio-dia. Quem vai cuidar da lavoura do
Brasil? Diga aí, seu Lula...
Cansei dessa história de facilitar a construção e a compra da casa própria.
E os coitados que vivem de cobrar aluguéis? O que s erá deles? Cansei dessa
palhaçada da desvalorização do dólar. Agora, qualquer um tem MP3, celular e
câmera digital. Qualquer umazinha, aqui do prédio, vai passar férias no
Exterior. É o fim...


Vou votar no Serra. Cansei, vou votar no Serra, porque quero de volta as
emoções fortes do governo de FHC, quero investir no dólar em disparada e
aproveitar a inflação. Investir em ações de Estatais quase de graça e vender
com altos lucros. Chega dessa baboseira politicamente correta, dessa
hipocrisia de cooperação. O motor da vida é a disputa, o risco... Quem pode,
pode, quem não pode, se sacode.


Quero os 500 anos de oligarquia autoritária, corrupta e escravizante de
volta. Quero de volta a quadrilha do FHC, escondendo escândalos,
maracutaias e compra de votos no Congresso. Onde já se viu: nesta terra sem
lei chamada Brasil, só a direita corrupta tem o direito de roubar, o
resto tem que trabalhar duro, com salário de fome para que os
tubarões,
empresários e banqueiros, comprarem seus jatinhos e iates além de mandarem
dinheiro para paraísos fiscais. Quero o Serra fazendo pelo país o
que fez com os funcionários públicos, professores, médicos e policiais do
estado de São Paulo passarem 14 anos a míngua. Tem que arrebentar essa
pobralhada.
Eu ia anular, mas cansei. Basta! Vou votar no Serra. Quero ver essa gentalha
no lugar que lhe é devido. Quero minha felicidade de volta.”


Texto de Douglas Avelino

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Por que continuar lutando por um mundo melhor?








            “Certa vez um viajante, passando por uma cidade, viu um homem no meio da praça, de pé sobre um caixote de madeira, proferindo um discurso inflamado, no qual ele conclamava o povo a uma mudança de atitude. Apesar da beleza do discurso e das palavras sábias e justas do homem, ninguém lhe dava a menor atenção.
            No ano seguinte, de volta à cidade, o viajante se deparou com a mesma cena: o homem discursando inflamadamente no meio da praça, sobre um caixote de madeira, e os transeuntes em volta agindo simplesmente como se ele não existisse. E assim foi no ano seguinte, no outro, e em muitos mais, até que o viajante, não mais contendo a curiosidade, dirigiu-se ao homem e lhe disse:
             – Amigo, há anos passo por essa cidade, e o vejo aí na praça, sobre esse caixote de madeira, discursando, conclamando o povo a uma mudança de atitude. Percebo como são belas as suas palavras, e como são justas e corretas as suas admoestações. Mas percebo também que, apesar de sua obstinação, absolutamente ninguém nessa cidade lhe dá ouvidos. Pergunto-lhe eu: por que você continua discursando? Por que você não desiste, já que está mais do que claro que você não vai conseguir convencer ninguém?
            O homem desceu calmamente do caixote de madeira, fitou o viajante por um longo tempo e, após deixar escapar um tímido sorriso, disse:
             – Não posso desistir. Porque se eu desistir, ELES É QUE TERÃO CONSEGUIDO ME CONVENCER.”
           

A história acima foi contada anos atrás, num comercial de TV da Campanha Contra a Fome, do saudoso Betinho. Narrada na ocasião por Caetano Veloso, aqui eu a reproduzo não exatamente como no texto do comercial, mas com minhas próprias palavras.
Eis a razão por que continuo a defender minhas idéias e os valores nos quais acredito, mesmo sabendo estar remando contra a maré, mesmo diante da total falta de perspectiva de qualquer mudança a curto prazo. Talvez as mudanças por mim buscadas só venham a se tornar realidade para meus bisnetos, ou talvez elas jamais venham a acontecer. Mas o sonho da mudança é como uma árvore, cujas sementes plantamos hoje, mas cujos frutos só poderão ser colhidos num futuro distante.
Não importa quanto tempo leve para que as mudanças de verdade aconteçam: alguém precisa plantar as sementes, o mais rápido possível. As futuras gerações agradecerão por isso.

Mais um pouco de poesia.


DECLARAÇÃO

Se de meus olhos brotasse o testemunho
Que vai ao chão a regar a fina flor
Última Flor do Lácio Inculta e Bela*
Pela qual meu ser anela
Merecer o seu amor

Seria nada mais além do vão martírio
O delírio derradeiro de um poeta
Tal qual ave que voa através do vento
Com o mais sublime intento
De nunca atingir a meta

Ainda assim deliraria de alegria
Por ter sido trovador de tal encanto
Ter nos olhos meu poema refletido
Coração, mesmo partido
Traz a graça de um pranto


* alusão ao soneto "Língua Portuguesa", de Olavo Bilac.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

EU FICO COM A PUREZA DA RESPOSTA DAS CRIANÇAS


Jesus, porém, disse: Deixai os pequeninos, não os embaraceis de vir a mim, porque dos tais é o reino dos céus. (Mt 19:14)

Em verdade vos digo: Quem não receber o reino de Deus como uma criança de maneira nenhuma entrará nele. (Mc 10:15)

Certa ocasião estava eu em um ônibus, voltando do trabalho, quando ao meu lado senta-se um garotinho, aparentando uns 6 anos de idade, vestindo um uniforme escolar, e acompanhado de um senhor, provavelmente seu avô. O menino começou a puxar assunto comigo, curioso com a tala que minhas tendinites de estimação me obrigam a usar de vez em quando no punho direito. Em pouco mais de cinco minutos de uma conversa que mais pareceu uma entrevista, ele já sabia que meu computador não tinha nenhum jogo instalado, que eu morava com uma família grande, que não tinha filhos, e que tinha uma sobrinha de um ano chamada Maria Isabel, que já teve catapora.
A pureza e a simplicidade das crianças me fascinam. Observe-as num parque, por exemplo. Duas crianças que jamais haviam se visto antes se encontram, e começam a brincar. Minutos depois, elas já começam a se comportar como se fossem velhos amigos. Amigos “de infância”, se me permitem o trocadilho infame.
Crianças brincam, brigam, se esbofeteiam às vezes. Ficam sem se falar, prometem até ficar sem se falar pelo resto da vida! E no dia seguinte voltam a ser aqueles amigos inseparáveis de sempre. Elas  porventura param para refletir, pesam prós e contras, e no fim chegam à conclusão de que a melhor coisa a fazer é desculpar o amigo que as ofendeu? Que nada! As crianças voltam a ser amigas porque gostam umas das outras. Crianças não resolvem suas diferenças: elas simplesmente as esquecem! Esse é o verdadeiro perdão.
Adultos não perdoam de verdade. O perdão dos adultos é uma demonstração de superioridade. “Você me ofendeu, mas como eu sou muito bom, um ser superior, eu lhe perdôo”. Ou então é uma demonstração de dependência. “Você me ofendeu, mas como eu não consigo viver sem você, eu lhe perdôo”. Mas em ambos os casos é um perdão pela metade (como se isso existisse). Perdão que vive das lembranças da ofensa. Perdão que escraviza o ofensor, exigindo não só arrependimento, mas uma penitência eterna.
Um adulto ofendido jamais consegue confiar em seu ofensor como se a ofensa jamais houvesse acontecido. Não é assim com as crianças. Experimente indagar a duas crianças que brigaram no dia anterior e fizeram as pazes acerca do motivo da briga. Elas sequer serão capazes de lembrar! Podem até brigar de novo no dia seguinte, pelo mesmo motivo. Mas farão novamente as pazes, e de novo não serão capazes de lembrar o motivo por que brigaram. Crianças perdoam. Crianças esquecem.
Jesus não disse à toa que o Reino dos Céus era das crianças, e que caso nós quiséssemos acesso a esse reino teríamos de nos tornar crianças de novo, ser como elas. Quantas coisas nesse mundo podem ser mais belas do que uma criança? A igreja nos faz olhar o tempo todo para a face do Cristo crucificado, a fim de nos fazer ver nossos pecados estampados no horror daquele sofrimento, e com isso nos converter a Deus, tomados pela culpa. A própria Igreja chama isso de chegar a Deus pela via da DOR. Eu, de minha parte, prefiro olhar as coisas por outro ângulo. Poucas coisas me enchem mais de esperança do que contemplar um presépio, quando se aproxima a época das festas natalinas, e no centro dele ver o mesmo Jesus. Mas aqui se trata de um Jesus criança, deitado numa cama improvisada, na verdade uma espécie de caixa para colocar capim ou feno para os animais comerem. Um bebê, apenas um indefeso bebê, rodeado por seus pais, pelos Magos, por anjos e animais, todos presentes para agradecer a chegada do Deus-Menino. Esse é um dos quadros mais belos já imaginados, e eu chamo a sua contemplação de chegar a Deus pela via do AMOR. Como seria nossa sociedade ocidental se, ao invés de cruzes, nossos altares tivessem manjedouras?
Uma coisa me entristece: ver crianças, algumas bem pequenas, maquiando-se, usando saltos altos, penteados moicanos, brincos e piercings, até mesmo tatuagens. Meninos e meninas já sem aquele jeito inocente, sapeca, jeito de criança mesmo. São jovens ou adultos em miniatura. Estão desenvolvendo as mesmas mazelas de quem é “gente grande”, esquecendo-se de esquecer. Esquecendo-se de perdoar.
Adultos do mundo, por favor: não tiremos de nossas crianças o direito delas serem elas mesmas. Não as transformemos em monstrinhos, adultos miniaturizados, espelhos de nós mesmos. Porque elas só irão refletir o que temos de pior. Façamos exatamente o oposto. Resgatemos a pureza de nossos pequeninos. Melhor ainda: tentemos nós mesmos nos inspirar no exemplo deles, imitemo-los. Jesus estava certo: o mundo seria muito melhor se ao invés de tentarmos fazer as crianças serem como nós, nós tentássemos ser como elas.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O Grande Paradoxo




Certa vez, ao ser perguntado o que faria naquele mesmo dia, se soubesse que Jesus voltaria no dia seguinte, Martinho Lutero respondeu que plantaria uma árvore. Enquanto todos esperavam dele respostas como sair às ruas para tentar converter as últimas pessoas, ou mesmo correr para a igreja a fim de se preparar para esse momento sublime, sua resposta foi apenas e desconcertantemente “plantar uma árvore”. Inclusive, não seria uma árvore qualquer, mas uma macieira. E macieiras levam mais de uma década para começarem a dar frutos. Um projeto de longo prazo, mesmo sabendo que no dia seguinte ele já não mais estaria aqui para dar continuidade a ele.
Embora eu seja cristão, não creio em um retorno físico e histórico de Jesus. Mas percebo nesse ensinamento uma interessante metáfora da vida e da morte. Lembrando o filósofo e escritor existencialista Jean-Paul Sartre, a existência humana é essencialmente um absurdo. O homem nasce, e em dado momento de sua vida, ele se dá conta de si mesmo. Percebe então que quase tudo que lhe diz respeito não foi escolha dele. Ele não escolheu com quais características físicas, em qual família, com que nome, em que tempo, local e condições socioeconômicas iria nascer. O homem não escolhe praticamente nada, mas precisa fazer escolhas e tomar decisões com base nesses fatores não escolhidos. Assim, ele se vê jogado no mundo, sendo cobrado a sempre fazer o melhor possível com essas armas que ele não escolheu, e a sua única certeza é que, não importa o que faça, um dia vai morrer. O homem não sabe quando, mas sabe que um dia ele vai deixar esta vida. Essa é a sua única certeza.
A idéia da volta de Jesus em momento desconhecido não apenas se torna uma metáfora existencial da vida e da morte, como deflagra o paradoxo ao qual está sujeito não somente o cristão, mas o ser humano em geral. No jargão do Cristianismo Histórico, o homem precisa viver como se a volta de Jesus fosse acontecer no próximo minuto, e ao mesmo tempo não fosse acontecer nunca. Em termos de nossa metáfora existencial, o homem se vê desafiado a viver como se ele ao mesmo tempo fosse morrer no dia seguinte e não fosse morrer nunca.
Quase todo mundo de alguma forma nega a existência desse paradoxo. Alguns vivem de modo a jamais assumir nenhuma responsabilidade, e a nunca tomar nenhuma atitude em relação à realidade que o cerca. Os problemas à sua volta não lhes dizem respeito, afinal, eles não têm solução mesmo. São pessoas que vivem como se o mundo fosse acabar logo, e não tivesse nenhum sentido prático lutar para transformá-lo. Outros vivem como descreve o apóstolo Paulo: “comamos e bebamos, porque amanhã morreremos” (I Cor 15,32). A desesperança no futuro muitas vezes leva o sujeito a um processo de consumo desenfreado, como se o prazer de consumir aliviasse o pavor de saber que o fim está próximo, que a vida é curta. Por fim, temos pessoas que fazem planos, executam-nos e vivem como se fossem imortais, como se jamais sua programação pudesse ser simplesmente interrompida pela visita inesperada de uma certa senhora encapuzada.
Esse é o Grande Paradoxo: não se furtar de tomar atitudes responsáveis diante do mundo, e ao mesmo tempo viver cultivando o desapego desse mesmo mundo. Viver como se fôssemos imortais e ao mesmo tempo fôssemos morrer amanhã. Viver como se Jesus fosse voltar daqui a dez minutos, e ao mesmo tempo não fosse voltar nunca. Ter certeza do fim da existência terrena sem saber o momento exato em que isso se dará não deixa ao homem outra alternativa. Esse é o grande paradoxo.
E você, o que faria se soubesse que Jesus vai voltar amanhã, ou que você vai morrer amanhã (o gosto é do freguês)? Particularmente, eu gostaria de tocar e cantar uma canção alegre e apaixonada, com os meus amigos fazendo o coro, bebendo uma cerveja gelada, e contemplando o brilho intenso de um par de olhos femininos. Tudo isso recostado na macieira que, tenho certeza, Lutero não deixou de plantar, mesmo vendo que Jesus não voltou no dia seguinte.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Vamos falar de Crise?


Crise... etimologicamente significa separação, escolha, momento de discernir... a vida é um caleidoscópio de possibilidades, que juntas formam uma imagem tão caótica quanto fascinante... e quando giramos esse caleidoscópio formamos imagens novas, novas árvores de alternativas, florescendo nesse imenso bosque encantado que chamamos de “mundo”.
Há um perigo na crise... o de nos deixarmos dominar pelo fascínio dessa imagem, de nos determos na contemplação das mais variadas formas que nosso caleidoscópio existencial assume perante nossos olhos, e assim não sairmos do lugar... seríamos tal qual o guerreiro petrificado diante da beleza de uma Górgona que no fundo, no fundo, foi ele mesmo quem criou.
De modo algum! Precisamos desfazer nosso caleidoscópio, por mais belo que ele possa parecer... precisamos fazer escolhas, tomar decisões, como a Dorothy e seu fiel Totó na saga de Oz... ainda que todos os caminhos possíveis pareçam ser a mesma estrada de pedras amarelas.
Toda escolha implica em perdas... cada vez que optamos por um determinado caminho, forçosamente estamos abdicando de todas as outras alternativas possíveis para aquele momento, em favor de uma única escolha... e mesmo que mudemos de idéia e voltemos atrás, para começar a trilhar um outro caminho possível, o tempo já não será o mesmo... aquele outro caminho, naquele tempo, já não mais nos é acessível, ainda que o Einstein pintado num quadro em minha parede pareça estar dizendo que não é bem assim.
E o mais fantástico é descobrir no final nas contas que essa escolha vai sempre acontecer, e não tem a menor importância o nível de consciência que temos delas... as escolhas se fazem por si mesmas, enquanto nós temos a ilusão de que nos fazemos a nós mesmos nesse processo. E só quando conseguimos alcançar um patamar onde podemos fazer nossas escolhas sem que sejamos seguidos pelo fantasma da dúvida do que seria de nós caso escolhêssemos quaisquer dos outros caminhos, teremos força ética e filosófica para dizer que atingimos a sabedoria... espero um dia chegar ao topo dessa montanha.
Faço hoje essa viagem pedindo a graça e a iluminação de Deus. Até porque Ele em não raros momentos será a minha única companhia.

Liberdade



Descobri que voltei a ser LIVRE. A liberdade é o dom mais precioso do homem, tão precioso que Deus nos criou, mas fez questão de nos garantir a liberdade até para não acreditarmos Nele.

Liberdade não pode ser confundida com licenciosidade. Não significa fazermos o que queremos quando queremos. Até porque nossa vontade muitas vezes não nos pertence, somos escravos dela. Liberdade é poder fazer, mas é também poder não fazer.

Eu perdi todas as coisas que tinha em nome de minha liberdade. Que nada, eu nunca tive coisa alguma! As coisas que achava que tinha é que tinham a mim, me tiranizavam, me escravizavam, sugavam meu sangue e minha paz.

Jesus desafiou o jovem rico a vender tudo o que possuía, dar o dinheiro aos pobres e segui-Lo. O jovem foi-se triste, mas não porque ele achasse errado cumprir o desafio do Mestre. Na verdade, ele sabia não ser capaz de se livrar de suas riquezas não porque não achasse isso certo, mas porque sabia que não conseguiria. Ele era escravo do ouro que acumulou.

Liberdade verdadeira só existe assim, quando nos vemos capazes de abdicar de tudo que somos, de nossas posses, de nossos nomes, status sociais, mesmo de nossa identidade, e ainda assim continuarmos a sermos nós mesmos.

Quase todas as pessoas abdicam de sua liberdade a fim de evitar sofrimentos. Tolice das Tolices. Nada é mais sofrido do que trair-se a si mesmo, a fim de evitar dores. Acaba doendo mais ainda.

Há quem doe sua liberdade em nome de não morrer na solidão. Mas convenhamos: o que é pior, diante da Eternidade? Morrer sozinho, ou perceber no fim da vida que vivemos toda nossa existência presos, acorrentados a situações que não queremos, apenas por medo de ficarmos sozinhos? Não, eu não tenho medo da solidão. Antes ela do que passar a vida algemado ao lado de coisas que sei que não quero, mas das quais não consigo me desvencilhar.

Essa é minha estrada. Pode ser louca, diferente, pode ser considerada reprovável por aquelas pessoas que acham que ficar presos a sempre buscar status, situação econômica, convenções sociais e aceitação das pessoas é o máximo de felicidade que se pode atingir. Minha estrada pode ser solitária. O será por não raras vezes. Mas é uma estrada LIVRE.

E SÓ NA LIBERDADE PODEMOS APRECIAR A VERDADEIRA BELEZA DA VIDA!

Eu te detesto e amo Morte, Morte, Morte que talvez seja o segredo dessa Vida - Raul Seixas



Quem não se torna sábio ouvindo o que a Morte tem a dizer está condenado a ser tolo a vida inteira. (Rubem Alves)

Encontrei essa citação num texto de um pastor protestante extremamente progressista, com uma visão muito apurada da verdadeira essência do evangelho pregado por Cristo. O texto desse pastor nos faz refletir sobre que tipo de palavras nós gostaríamos que fossem escritas em nosso epitáfio, ou seja, o que poderia ser dito acerca de nossa vida, quando ela chegasse ao fim. Comecei a refletir sobre o momento da passagem quando o vi ser apresentado a mim em forma de poesia. Eu ouvia uma canção intitulada “The Last Assembly”, da banda inglesa de rock The Kinks. Segue uma tradução livre feita por mim:

A ÚLTIMA ASSEMBLEIA

Quando caminhei para a última assembléia
Havia lágrimas no fundo de meus olhos
E eu vi todos os meus amigos ao meu redor
Eles estavam lá para me dizer até-logo

Quando fiquei em linha com meus camaradas
Tive até um sentimento de orgulho
E esqueci todo o sofrimento e ódio que havia em mim
Quando cantamos pela última vez

Aproximemo-nos, todos nós, aproximemo-nos
Venha e aprecie nossa última assembléia
Vamos sorrir, limpar toda severidade de nossos olhos

Aproximemo-nos, todos nós, aproximemo-nos
Quando nos reunimos na última assembléia
Todos os meus amigos vieram me dizer até-logo

Aproximemo-nos, todos nós, aproximemo-nos
Quando entrei em minha última assembléia
Simplesmente não pude conter as lágrimas

Assim eu gostaria que fosse minha passagem. Uma reunião de amigos para celebrar. Não a morte, esse monstro inexorável do qual só a fé é capaz de nos tirar o medo. Queria que esse momento fosse uma celebração da vida.
Mas que tipo de palavras eu gostaria, se possível fosse, de ver escrito em meu epitáfio? Álvares de Azevedo, um dos maiores poetas da língua portuguesa de todos os tempos, em um de seus poemas pediu para que fosse escrito em seu epitáfio: “foi poeta, sonhou e amou na vida”. Sábias palavras. Sejamos poetas, ainda que não haja ninguém para apreciar nossa poesia. E sejamos poetas não apenas em palavras, mas em olhares, gestos, atitudes... Nada é mais poético do que um sorriso, nada tem mais poesia do que um gesto de solidariedade, um afago de amor. Sonhemos também. Importa-nos urgentemente transformar a realidade, mas toda transformação começa com um sonho. Mesmo que um mundo melhor ainda não exista de fato, ele já existe no coração daqueles que ousam sonhar. E amemos também, ainda que não sejamos amados. O Amor é bom por si só, independente do retorno que ele possa proporcionar. Deus nos criou e nos mantém por um único motivo: ele nos ama. Ainda que nós não O amemos, Ele nos ama.
Mas afinal, o que eu gostaria realmente que fosse escrito em meu epitáfio? Nos “epitáfios de carne”, ou seja, nos corações de meus entes queridos, gostaria de ver escrita toda a poesia que meus atos terão escrito,  ainda que ela não venha a ser contemplada por nenhum olhar além do olhar divino. Gostaria de ver escritos também todos os sonhos que terei sonhado, inclusive aqueles que não forem capazes de transformar coisa alguma, mas que terão sido sonhados com essa intenção. E por fim, que se escrevam todos os amores com os quais terei amado, mesmo aqueles que não forem correspondidos.
Mas e na lápide de pedra a enfeitar a fortaleza que irá dificultar que meu corpo seja devolvido à terra de onde ele foi tomado? Ali basta escrever uma única palavra: FUI.

Um pouco de poesia




Soneto Dodecassílado para Quem Voltou a Ser Feliz

Quem dera fosse contemplar de vez a luz
Cuja quimera faz rever uma alegria
Lembrar de um tempo em que apenas se sorria
Olhar para trás e não mais ver a antiga cruz

Seria mais que apenas divinal encanto
A aquarela que outrora coloria
A luz suave do raiar de um novo dia
Que seca o orvalho como seca esse meu pranto

Então o riso cura as dores desse canto
Inaugurando a mais singela melodia
Em sinfonia que se finda em acalanto

A maestria a que a certeza me conduz
Faz-me querer gritar ao ver o fim do dia
Dizendo o quão bom é enfim rever a luz

Pré-conceitos




De todas as pessoas que conheço, a mais sábia é o meu alfaiate: toda vez que eu vou nele, ele toma as minhas medidas, ao passo que os outros tomam minhas medidas uma única vez, e acham que seu julgamento é sempre do meu tamanho. Essa frase pertence a Millôr Fernandes, uma das mentes mais brilhantes que nosso país já viu.

Impressionante como as pessoas são capazes de se fechar na primeira explicação que encontram, sem sequer se dar ao trabalho de perguntar “por quê?”. Tudo bem que muita gente precisa disso, acreditar em uma mentira autoinventada, apenas porque ela é menos dolorosa do que a verdade.

Sempre fui vítima disso. Perdi a conta das vezes em que fui julgado de forma absurda por gente que sequer se deu ao trabalho de conferir. Mas sei que não será o número de adeptos de minha crença o que vai torná-la verdadeira. Quem vier até mim e me perguntar o porquê de eu fazer o que faço, terei prazer em lhe dar satisfações. Quem preferir seus julgamentos previamente estabelecidos, ou suas ilusões autoinventadas, mas que doem menos, tem todo o direito.

Esse foi o primeiro texto que escrevi após minha separação.

Minha alma é um Templo em ruínas, que oculta, por entre seus escombros, tesouros inimagináveis, e perigos impensáveis...
Por entre os escombros caminho eu... EGO fragmentado em dezenas de possibilidades, podendo ser tudo e nada ao mesmo tempo, tensão de opostos que lutam entre si o tempo todo... uma explosão, um Big-Bang anímico ou onírico, cuja força produz um universo complexo e inexplorado, que por questão de sobrevivência teimo em chamar de EU...
Houve tempo em que a palavra EU fazia algum sentido. Casa, família, trabalho, amigos, estudos, tudo isso formava um conjunto de qualidades, um bloco, uma construção, que se julgava monolítica, integrada, indestrutível... Mas que tolice! A única coisa indestrutível no mundo é justamente a “destrutibilidade” de todas as coisas! Hoje sei que sou apenas como um rio: embora quem me olhe todos os dias tenha a impressão de estar vendo algo familiar, o mesmo rio de ontem e de todos os dias, minhas águas nunca são as mesmas. Pena que isso quase sempre passe despercebido aos olhos do mundo.
Caminho por entre as ruínas desse Templo em busca de um tesouro... Não busco um tesouro qualquer, feito de ouro, prata ou pedras preciosas, mesmo porque eles se corroem com o tempo, enferrujam e perdem o brilho... Procuro por um objeto simples, tão simples quanto extraordinário: um espelho. Mas também não se trata de um espelho comum; procuro um espelho mágico, capaz de refletir não os traços e as marcas da idade de um rosto, mas os contornos, desenhos e rugas de uma alma, talvez já cansada de vagar pelo Cosmo pelos eons de tempo.
Mesmo sendo a mais tola das pretensões, resiste, numa obstinação tão louvável quanto inútil, uma esperança (ela não é só a última que morre: normalmente é também a primeira que renasce). Trata-se da esperança de que serei capaz de reconhecer a imagem que verei refletida nesse espelhinho mágico.
 A Esperança é um ser curioso. Aparece como uma espécie de mistura de fada-madrinha e súcubo, e não sei com qual dessas duas faces ela sussurra em meus ouvidos que esse Templo de minha alma pode ser reconstruído e voltar a ter exatamente a mesma forma de antes. Pensamento estranho: se Brahma refizer com exatidão o trabalho que Shiva tão cuidadosamente destruiu, isso não seria meramente a continuação de Maya? Lembremos a canção de um mestre: o grão morre para nascer trigo, e só morrendo o trigo nasce pão.
Do lado da Esperança surge uma outra criatura. Parece filha de Pandora, tem um senso de humor negro apurado, e atende pelo nome de Dúvida. Talvez ela venha a ser minha mais fiel companheira de caminhada por esses próximos dias. Tudo é tão novo, e mesmo as imagens antes familiares, quase atávicas, se vestem com novas fantasias, usam máscaras. E essas máscaras tanto provocam risos quanto assustam.
No fundo não sei quem tem razão, se Brahma, Shiva, ou nenhum dos dois. Mas de uma coisa tenho certeza: não sei que feição terá o novo Templo de minha alma, mas como pedreiro-livre, ou como carpinteiro do universo, ou carpinteiro de mim, alguma coisa precisa ser construída. Que face terá esse novo Templo?