quinta-feira, 1 de setembro de 2011

SOBRA-ME LASCIVIA E FALTA-ME A CANDURA...



Sobra-me lascívia e falta-me a candura...

Faltam-me as flores ladeando o caminhar despretensioso... falta-me o calor da areia afagando os pés, enquanto o sol prepara o crepúsculo marinho... falta-me a face beijada pela brisa fria que sibilia por entre as quaresmeiras, cujo brilho alvo torna grisalho o subir da serra...

Sobra-me lascívia e falta-me a candura...

Falta-me a visão do arco descrito pela gaivota sobre a seda esvoaçante de tez azul-esverdeada... falta-me a estrela refletida em um olhar que brilha ao contemplar o mais noturnal dos firmamentos... faltam-me os dedos entrelaçados, compartilhando a sensação aveludada dos gerânios... falta-me a lágrima, que escapa sorrateira por causa do rosto contraído no sorriso...

Sobra-me lascívia e falta-me a candura...

Falta-me a relva a cobrir os verdes prados, sob a chuva que lhe exacerba o frágil aroma... falta-me a Lua sobre o tapete negro, a companhia de estrelas cortesãs, algumas mesmo se atirando de alegria ante nosso simples caminhar, talvez querendo apenas arrancar um sorriso, ou um olhar, que diz tudo sem uma única palavra...

Sobra-me lascívia e falta-me a candura.

Falta-me o farfalhar multicor das borboletas, cuja dança faz a flor ver nelas anjos... falta-me o abrupto do silêncio, arrancado na frase não terminada, desejando que este se torne olhar, o olhar se torne beijo, o beijo se torne rubor, e assim um novo silêncio se celebra... falta-me a paz de quem sabe ter a eternidade, ainda que eternas sejam apenas as canções de amor...

Sobra-me lascívia e falta-me a candura...

Falta-me a concha encontrada sobre a alva cambraia da areia branca, que tal donzela sequiosa de desejo, timidamente permite o afago do mar... falta-me o som bruxuleante das procelas, que se faz canção para embalar o lenço que acena para a nau que parte rumo ao horizonte, mas que também consegue se esconder na concha levada ao ouvido...

Sobra-me lascívia e falta-me a candura...

Falta-me que os olhos esqueçam o ponto de chegada, para contemplar as belezas do caminho... falta-me o afago sem pressa, a vontade contida, guardada para que o amanhã lhe dê a concretude... falta-me a dor no peito, fruto do gargalhar inesperado diante do inusitado de um gesto, falta-me a mão, a lentamente percorrer o novo território, tal criança descobrindo o mundo para além de seu berço...

Sobra-me lascívia e falta-me a candura...