quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O Grande Paradoxo




Certa vez, ao ser perguntado o que faria naquele mesmo dia, se soubesse que Jesus voltaria no dia seguinte, Martinho Lutero respondeu que plantaria uma árvore. Enquanto todos esperavam dele respostas como sair às ruas para tentar converter as últimas pessoas, ou mesmo correr para a igreja a fim de se preparar para esse momento sublime, sua resposta foi apenas e desconcertantemente “plantar uma árvore”. Inclusive, não seria uma árvore qualquer, mas uma macieira. E macieiras levam mais de uma década para começarem a dar frutos. Um projeto de longo prazo, mesmo sabendo que no dia seguinte ele já não mais estaria aqui para dar continuidade a ele.
Embora eu seja cristão, não creio em um retorno físico e histórico de Jesus. Mas percebo nesse ensinamento uma interessante metáfora da vida e da morte. Lembrando o filósofo e escritor existencialista Jean-Paul Sartre, a existência humana é essencialmente um absurdo. O homem nasce, e em dado momento de sua vida, ele se dá conta de si mesmo. Percebe então que quase tudo que lhe diz respeito não foi escolha dele. Ele não escolheu com quais características físicas, em qual família, com que nome, em que tempo, local e condições socioeconômicas iria nascer. O homem não escolhe praticamente nada, mas precisa fazer escolhas e tomar decisões com base nesses fatores não escolhidos. Assim, ele se vê jogado no mundo, sendo cobrado a sempre fazer o melhor possível com essas armas que ele não escolheu, e a sua única certeza é que, não importa o que faça, um dia vai morrer. O homem não sabe quando, mas sabe que um dia ele vai deixar esta vida. Essa é a sua única certeza.
A idéia da volta de Jesus em momento desconhecido não apenas se torna uma metáfora existencial da vida e da morte, como deflagra o paradoxo ao qual está sujeito não somente o cristão, mas o ser humano em geral. No jargão do Cristianismo Histórico, o homem precisa viver como se a volta de Jesus fosse acontecer no próximo minuto, e ao mesmo tempo não fosse acontecer nunca. Em termos de nossa metáfora existencial, o homem se vê desafiado a viver como se ele ao mesmo tempo fosse morrer no dia seguinte e não fosse morrer nunca.
Quase todo mundo de alguma forma nega a existência desse paradoxo. Alguns vivem de modo a jamais assumir nenhuma responsabilidade, e a nunca tomar nenhuma atitude em relação à realidade que o cerca. Os problemas à sua volta não lhes dizem respeito, afinal, eles não têm solução mesmo. São pessoas que vivem como se o mundo fosse acabar logo, e não tivesse nenhum sentido prático lutar para transformá-lo. Outros vivem como descreve o apóstolo Paulo: “comamos e bebamos, porque amanhã morreremos” (I Cor 15,32). A desesperança no futuro muitas vezes leva o sujeito a um processo de consumo desenfreado, como se o prazer de consumir aliviasse o pavor de saber que o fim está próximo, que a vida é curta. Por fim, temos pessoas que fazem planos, executam-nos e vivem como se fossem imortais, como se jamais sua programação pudesse ser simplesmente interrompida pela visita inesperada de uma certa senhora encapuzada.
Esse é o Grande Paradoxo: não se furtar de tomar atitudes responsáveis diante do mundo, e ao mesmo tempo viver cultivando o desapego desse mesmo mundo. Viver como se fôssemos imortais e ao mesmo tempo fôssemos morrer amanhã. Viver como se Jesus fosse voltar daqui a dez minutos, e ao mesmo tempo não fosse voltar nunca. Ter certeza do fim da existência terrena sem saber o momento exato em que isso se dará não deixa ao homem outra alternativa. Esse é o grande paradoxo.
E você, o que faria se soubesse que Jesus vai voltar amanhã, ou que você vai morrer amanhã (o gosto é do freguês)? Particularmente, eu gostaria de tocar e cantar uma canção alegre e apaixonada, com os meus amigos fazendo o coro, bebendo uma cerveja gelada, e contemplando o brilho intenso de um par de olhos femininos. Tudo isso recostado na macieira que, tenho certeza, Lutero não deixou de plantar, mesmo vendo que Jesus não voltou no dia seguinte.