terça-feira, 29 de março de 2011

AURORA NAVEGANTE


O rio que aflui para beijar o mar
Aponta a rota ao solitário navegante
Traz o infinito que se vive num instante
Até que o tudo e o nada sejam só amar

Dias se passam, a lembrança faz-se viva
E aproxima o coração de quem cativa

Em cada brisa que a vela acaricia
E indo avante a nau se perde no poente
Sinal do dia que se finda de repente
Saem as estrelas, continua a poesia
Imaginando o que será do novo dia
Até que o mar se torne rio novamente

sexta-feira, 18 de março de 2011

A FORÇA DO AMOR DIANTE DA FRAGILIDADE DA VIDA: UMA REFLEXÃO.

Com que rosto ela virá?
Será que ela vai deixar eu acabar o que eu tenho que fazer?
Ou será que ela vai me pegar no meio do copo de uísque?
Na música que eu deixei para compor amanhã?
Será que ela vai esperar eu apagar o cigarro no cinzeiro?
Virá antes de eu encontrar a mulher, a mulher que me foi destinada,
E que está em algum lugar me esperando
Embora eu ainda não a conheça?

Vou te encontrar vestida de cetim,
Pois em qualquer lugar esperas só por mim
E no teu beijo provar o gosto estranho
Que eu quero e não desejo,mas tenho que encontrar
Vem, mas demore a chegar.
Eu te detesto e amo morte, morte, morte
Que talvez seja o segredo desta vida

Oh morte, tu que és tão forte,
Que matas o gato, o rato e o homem.
Vista-se com a tua mais bela roupa quando vieres me buscar

(da canção “Canto Para Minha Morte”, de Rail Seixas e Paulo Coelho)

            Um terremoto no fundo do Oceano Pacífico provoca uma tsunami... poucos segundos de uma revolta tectônica ceifam milhares de vidas em apenas mais uns poucos segundos... e tudo isso ocorreu no Japão, a mais bem sucedida das simbioses entre passado e futuro compartilhando o mesmo tempo presente, a melhor das alianças socio-históricas efetuadas entre uma cultura milenar fortemente arraigada e calorosamente cultuada, e uma racionalidade científica friamente organizada e metodicamente colocada em prática. Em nossas terras, onde a carência de uma visão de futuro, e a nossa já crônica irresponsabilidade histórica dão as ordens que regem nossa caminhada, sempre aos trancos e barrancos, rumo a um futuro inalcançável, estrategicamente camufladas em fantasias de carnaval, micaretas, discussões sobre futebol e “reality shows” de TV, a tragédia com certeza adquiriria proporções ainda mais grotescas.
            O planeta Terra como um todo foi abalado, nossa Mãe Gaia jamais será a mesma. O impacto do terremoto desviou o eixo da Terra em dez centímetros. Parece pouco. Os olhos humanos, nus ou vestidos de lentes telescópicas, sequer serão capazes de notar, mas até mesmo o céu, depois desses poucos segundos de horror, também já não é mais o mesmo, os astros celestes mudaram de lugar. Mas quais serão as possíveis consequências dessa alteração para a saúde de Gaia, num futuro próximo ou mesmo distante? Todas as possíveis respostas estão ainda ostentando títulos de meras especulações, e a verdade não passa de pontencialidade, de puro poder-vir-a-ser, subsistindo apenas na mente do Criador.
            Pequeno, é como me sinto. Extremamente pequeno e frágil. Um insignificante grão de poeira vagando nesse imenso deserto chamado Universo. Apesar de ser uma máquina extremamente complexa, cujo modo de funcionamento ainda não foi totalmente desvendado, mesmo milênios após o nascimento da ciência filha de Hipócrates, meu corpo não teria a menor chance de sobreviver, não fossem uma enorme gama de fatores favoráveis, reunidos em torno de Gaia, que a tornam um lar aconchegante, quase um berço, adornado pelas mais macias colchas, e balançando suavemente no espaço, embalado pela doce voz de um Deus-Pai que também é Deus-Mãe. Um acalanto: é como ouço cada som da natureza.
            Abandonem-me em qualquer outro ponto do Cosmos, e em pouquíssimos instantes a vida fugiria apavorada de meu corpo, sendo este imadiatamente destroçado pelas forças mais hostis do universo, tal qual a presa sendo dilacerada por um bando de mandíbulas e dentes de uma alcateia faminta. A não ser que meu corpo estivesse hermeticamente protegido por trajes espaciais e especiais. E estes nada mais são do que subterfúgios da ciência, criados com o propósito de nos permitir carregarmos conosco, por onde quer que passemos, as mesmas condições carinhosas de nossa mãe Gaia. Só assim podemos escrutinar a Criação para além dos limites de nosso Berço Cósmico.
            A Terra é o único lugar conhecido onde seres como nós podem sobreviver. Nossa mãe, nosso lar, nosso berço ou ninho. E o que fazer quando nosso próprio berço, ao invés de acalentar um sono tranquilo, nos sacode violentamente, como se quisesse simplesmente nos arremessar para fora? Como proceder quando nossa própria mãe deixa de ser nossa protetora, para se tornar, ainda que por um breve momento, a mais cruel das madrastas de contos de fada? Talvez essa seja a razão de nossa perplexidade diante de uma tragédia de tal magnitude. A quem iremos imputar culpa, nesse caso? O homem, pelos estragos que vêm causando em nosso planeta desde quando adquiriu capacidade de raciocínio abstrato? A natureza, por agir de forma cega, num mero encadeamento de causas e efeitos? Um iminente fim do mundo, apregoado desde a mais obscura antiguidade do homem, mas que não cansa de nos pregar peças, nunca comparecendo nas datas em que ele é esperado? Demônios, forças do mal tão em voga nos discursos de nossos mais variados fundamentalismos religiosos? Ou devemos mesmo culpar a Deus, como muitos acabam fazendo, para logo depois assumir o funesto ateísmo prático ou um agnosticismo despretensioso? Na verdade, fora dos limites do campo da fé, essa é uma indagação para a qual simplesmente não existe resposta.
            E desse modo nos damos conta de como a vida é frágil. Cada uma das pessoas vitimadas pelo furor tectônico, apenas alguns minutos antes, levavam suas vidas normais, seus afazeres, sonhos e dores comuns, cotidianos. O mesmo pode ser dito dos sobreviventes. Em uma fração de tempo, milhares de existências são modificadas de forma definitiva. Alguns por terem a trajetória bruscamente interrompida, outros por se verem de repente obrigados a remodelar toda a sua percepção do mundo, sem seus bens materiais, e pior, sem seus entes queridos. Bens podem ser repostos, pessoas não. São perdas absolutamente irreparáveis nesta existência. Não há alternativa, é aceitar isso ou aceitar isso. Pode parecer cruel, mas antes de tudo é real. Cada um de nós pode, sem o saber, estar vivenciando os últimos momentos da vida. Que postura, então, devemos adotar diante de tão terrível constatação?  O livro de Eclesiastes, do Velho Testamento da Bíblia, um dos textos mais sábios já escritos por mãos humanas, em seus dois últimos capítulos, nos dá uma esplendorosa lição sobre como devemos encarar a fragilidade da vida, e a virtual total falta de controle que temos sobre os processos naturais:

Lança o teu pão sobre as águas, porque depois de muitos dias o acharás. Reparte com sete, e ainda até com oito, porque não sabes que mal haverá sobre a terra. Estando as nuvens cheias, derramam a chuva sobre a terra, e caindo a árvore para o sul, ou para o norte, no lugar em que a árvore cair ali ficará. Quem observa o vento, nunca semeará, e o que olha para as nuvens nunca segará. Assim como tu não sabes qual o caminho do vento, nem como se formam os ossos no ventre da mulher grávida, assim também não sabes as obras de Deus, que faz todas as coisas. Pela manhã semeia a tua semente, e à tarde não retires a tua mão, porque tu não sabes qual prosperará, se esta, se aquela, ou se ambas serão igualmente boas. Certamente suave é a luz, e agradável é aos olhos ver o sol. Porém, se o homem viver muitos anos, e em todos eles se alegrar, também se deve lembrar dos dias das trevas, porque hão de ser muitos. Tudo quanto sucede é vaidade. Alegra-te, jovem, na tua mocidade, e recreie-se o teu coração nos dias da tua mocidade, e anda pelos caminhos do teu coração, e pela vista dos teus olhos; sabe, porém, que por todas estas coisas te trará Deus a juízo. Afasta, pois, a ira do teu coração, e remove da tua carne o mal, porque a adolescência e a juventude são vaidade. Lembra-te também do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos dos quais venhas a dizer: Não tenho neles contentamento; Antes que se escureçam o sol, e a luz, e a lua, e as estrelas, e tornem a vir as nuvens depois da chuva; No dia em que tremerem os guardas da casa, e se encurvarem os homens fortes, e cessarem os moedores, por já serem poucos, e se escurecerem os que olham pelas janelas; E as portas da rua se fecharem por causa do baixo ruído da moedura, e se levantar à voz das aves, e todas as filhas da música se abaterem. Como também quando temerem o que é alto, e houver espantos no caminho, e florescer a amendoeira, e o gafanhoto for um peso, e perecer o apetite; porque o homem se vai à sua casa eterna, e os pranteadores andarão rodeando pela praça; Antes que se rompa o cordão de prata, e se quebre o copo de ouro, e se despedace o cântaro junto à fonte, e se quebre a roda junto ao poço, E o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu. Vaidade de vaidades, diz o pregador, tudo é vaidade.

Vaidade, aqui, surge de uma palavra hebraica cujo significado real é “sem utilidade prática”. Como se tudo no mundo, ao final das contas, não tivesse valor algum frente ao inevitável encontro com a morte. O sábio pregador nos brinda com algumas importantes admoestações. Os ciclos naturais de vida e de morte são inexoráveis, e seguem seu fluxo, a despeito de nossas ações ou nossos desejos. Não devemos, contudo, nos furtar de tomar atitudes frente ao aparente absurdo do existir, temos um papel a exercer na sinfonia cósmica. Possuímos o direito, e de certa forma o dever, de usufruir dos ciclos naturais, de seguir o curso dado pelo coração, timoneiro da nau que somos, ainda que à deriva no mar da vida. E novamente, nossas atitudes não importam: os ciclos naturais podem ser perenes, mas seus elementos componentes têm, todos eles, um fim inescapável, e isso nos inclui. Todos os resultados de nossas ações ao longo da vida permanecerão aqui, talvez como testemunhos, retratos do ser que realmente fomos, mas nós mesmos seremos devolvidos ao pó de onde viemos. A vida, nesse sentido, é apenas um empréstimo.
Mas o pregador nos adverte acerca de questões mais importantes. Por detrás dessa lógica quase estóica, sorri para nós, com o mais belo sorriso de pai-mãe, o Criador de todas as coisas. Deus nos revela, através de uma Criação bela, perfeita, ainda que por vezes hostil, o único valor que realmente não é “vaidade”, que tem não apenas utilidade, mas que permanece antes, durante e depois de todos os ciclos naturais do Cosmo: o Amor. Vivamos a vida que nos couber viver, cada um de nós tem uma cruz e uma rosa a carregar ao longo da existência. E o Amor é a principal força motriz a nos fazer suportar as mazelas existenciais. O autor da primeira espístola de João afirma claramente: “aquele que não ama não conhece a Deus; porque Deus é amor”. Deus não apenas nos ama, simplesmente, Ele na verdade é “todo-amar”. A própria Criação é um ato de amor, nossa existência é um ato de amor. Deus nos criou para manisfestar seu Amor para com algo além de Si mesmo. Para Paulo, as três grandes virtudes dadas por Cristo seriam a fé, a esperança e o amor. Mas para ele, o amor era a mais importante das três virtudes, porque para ele, fé e esperança apontam para uma confiança nas promessas de Deus de instauração de seu Reino, mas uma confiança projetada no futuro, e não mais serão necessárias quando o adentrarmos. Mas o Amor, esse continuará sendo exercido entre os seres humanos e a divindade. O Amor existe desde sempre, uma vez que Deus é Amor. O Amor se exerce ontem, hoje e para sempre.
A tragédia no Japão nos mostrou como somos frágeis e pequeninos diante do universo. Vivamos, então, conscientes da fragilidade da vida. Passemos nosso existir usufruindo de um universo dado por Deus, sem contudo nos apegarmos a ele, posto ser nossa vida não apenas frágil, como também breve. Mas acima de tudo vivamos pela única coisa eterna que existe no mundo. Vivamos por amor. Porque por mais insignificantes que possamos ser, Aquele que é puro Amor nos ama.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Filhas do Pai, Mães do Filho, e Esposas do Espírito Santo


A Mulher tem na face dois brilhantes
Condutores fiéis do seu destino
Quem não ama o sorriso feminino
Desconhece a poesia de Cervantes
A bravura dos grandes navegantes
Enfrentando a procela em seu furor
Se não fosse a Mulher, mimosa flor
A História seria mentirosa
(da canção “Mulher Nova, Bonita e Carinhosa, Faz o Homem Gemer Sem Sentir Dor”, de Zé Ramalho)

            No último dia 08 de Março, o mundo celebrou o Dia Internacional da Mulher, um pouco ofuscado no Brasil pelo fato desse dia ter sido também a terça-feira de Carnaval. Como sabemos, o Carnaval tornou-se o maior agente de alienação do país, fazendo com que todos esqueçam completamente todas as questões importantes, todos os seus problemas e mazelas, para só pensar na folia. Alguns chegam a afirmar que no nosso país o ano só começa realmente após o Carnaval.
            O Dia Internacional da Mulher tem suas origens na Rússia do início do século XX, quando mulheres trabalhadoras realizaram uma série de manifestações por melhores condições de trabalho, e contra a entrada da Rússia na Primeira Guerra Mundial. Essas manifestações tiveram forte influência na Revolução Russa de 1917, servindo inclusive de propaganda para os governos socialistas do que seria a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). E apenas em 1975, a Organização das Nações Unidas (a ONU) reconheceu oficialmente a data como o Dia Internacional da Mulher.
            Mas qual a razão de ser de termos um dia dedicado a homenagear as mulheres, especialmente se não temos uma ocasião análoga para homenagear os homens? Simples, a razão é a mesma de termos um Dia do Orgulho Gay, um Dia do Trabalhador, um Dia Mundial de Luta Contra a AIDS, um Dia da Consciência Negra, e por aí vai. São todos grupos historicamente oprimidos e marginalizados pelos grupos majoritários (não necessariamente majoritários em termos de quantidade, mas sim por serem os grupos que detêm o poder). Termos datas comemorativas para todos esses grupos historicamente marginalizados e oprimidos é tanto um resgate histórico de suas dignidades e de suas especificidades existenciais, quanto uma forma dos grupos majoritários “pedirem perdão” pelas atrocidades cometidas ao longo da História, além de ser uma forma de reconhecer a importância dos menos favorecidos. No caso das mulheres, já se tornou lugar comum falarmos dos desafios enfrentados por elas em nossa sociedade contemporânea, como menores salários para as mesmas funções no mercado de trabalho, dupla jornada de trabalho, em casa e no emprego, assédios sexuais, empregadores exigindo cirurgias de esterilização para dar emprego às mulheres, entre outras atrocidades. E esse quadro funesto não foi pintado hoje, nem ontem. Ele tem suas raízes profundamente enterradas em nossa História.
            Ao longo das eras, a mulher sempre sofreu na carne as maiores humilhações já imaginadas pelo ser humano. Exemplos históricos não nos faltam: na Grécia antiga, uma mulher poderia ser condenada à morte, caso desse à luz apenas a meninas. O crime seria “não dar soldados para o estado” (não se sabia na época, mas o sexo dos bebês é determinado pelo cromossoma sexual do homem). Na antiga China, as mulheres de classe alta eram obrigadas a usar sapatos minúsculos, a fim de terem seus pés deformados ao ponto de dificultar o mero ato de caminhar. A justificativa: demonstrar que as mulheres viviam em famílias abastadas, nas quais elas não precisariam realizar nenhum tipo de trabalho. Mesmo porque os antigos chineses não consideravam a mulher como tendo qualquer utilidade além de procriar. Em algumas culturas islâmicas mais fundamentalistas, é comum vermos mulheres sendo submetidas a cirurgias de remoção do clitóris, para que elas não sintam nenhum prazer na relação sexual. E até hoje em dia, em tempos em que nos consideramos extremamente avançados e esclarecidos, ainda mantemos alguns resquícios desse passado de opressão. Vejamos o caso dos nomes: enquanto é solteira, uma mulher é chamada de “Senhorita X” (X sendo o sobrenome do pai). Após o casamento, ela se torna a “Senhora Y” (Y sendo o sobrenome do marido). Por trás desse aparentemente inocente costume, esconde-se uma triste e arcaica mentalidade. A mulher não pode ser dona de si mesma, não pode ter liberdade, sendo sempre propriedade de algum homem, seja ele seu pai ou seu marido. Quem é mais jovem pode não ter a menor ideia disso, e pode inclusive ficar chocado, mas no Brasil, há menos de 50 anos atrás, uma mulher casada não poderia sequer viajar sozinha sem uma autorização por escrito de seu marido.
            Até mesmo o Cristianismo foi um grande opressor histórico das mulheres, a despeito do fato de Jesus sempre nutrir o maior respeito por elas. Baseados no relato da criação do mundo do livro bíblico de Gênesis, os homens cristãos argumentaram que a mulher era a culpada pela expulsão do ser humano do paraíso. Sua posição subalterna seria então um justo castigo de Deus por ter desobedecido às ordens divinas, e por ter levado o “inocente” homem a fazer o mesmo. Alguns teólogos chegaram a afirmar que as mulheres não possuíam alma; depois admitiram a existência de uma alma feminina, porém inferior à alma do homem, e muito se discutiu sobre se essa alma feminina poderia ou não entrar no Reino dos Céus. E assim teve início todo o histórico de sofrimentos e humilhações infringidas pelo homem sobre as mulheres na cristandade. Séculos e séculos transcorreram até a igreja reconhecer a igualdade entre homens e mulheres enquanto imagem e semelhança de Deus. Mulheres chegaram a ser mortas, sob acusações de bruxaria, apenas por conhecerem ervas medicinais, por realizarem trabalhos considerados exclusividade masculina, ou por insistir em praticar a religião de seus antepassados. E mesmo no cristianismo atual, onde muito se avançou no sentido de um resgate histórico da dignidade da mulher, ainda a vemos ser relegada a posições secundárias nas comunidades cristãs. Muito se explora a força de trabalho das mulheres em nossas igrejas, mas sempre em posições inferiores. Os cargos “de comando”, nas igrejas da atualidade, continuam tão prerrogativas masculinas, quanto o eram na Idade Média. Pouquíssimas denominações cristãs de hoje, como a Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil e a Igreja Anglicana do Brasil, exemplos raros em nosso país, ordenam mulheres ao sacerdócio.
            Mas e Jesus? Qual era a postura do Mestre perante as mulheres? Jesus se comportou diante das mulheres da mesma forma como ele sempre se comportou diante de todos os párias sociais, de todos os grupos oprimidos e marginalizados de seu tempo. Ele demonstrou compaixão, respeito, admiração, e tentou a todo momento resgatar a dignidade da mulher, num contexto de um judaísmo que já havia há muito adotado uma postura opressora contra elas. Confrontando um Judaísmo cujos Rabinos (os líderes religiosos, os “padres” e “pastores” da época) orientavam os homens a incluir em suas orações a seguinte sentença: “bendito sejas Tu, Senhor, porque Tu não me fizeste mulher”, Jesus frequentemente colocava as mulheres em posições de destaque, tanto em seu ministério quanto em suas pregações e suas curas. Exemplos disso estão por todo lado no texto neotestamentário.
           Apenas para começar, Jesus incluía mulheres entre seus discípulos, provocando a ira das autoridades judaicas. Algumas mulheres, inclusive, por serem provenientes de famílias ricas, patrocinavam financeiramente o ministério do Mestre. Também em relação às leis sociais dos judeus, Jesus desafiou o status quo, sempre em favor das mulheres. Nos tempos de Jesus, era corriqueiro os homens fazerem uso do direito ao divórcio (direito exclusivamente masculino), para abandonarem suas esposas, muitas vezes pelos motivos mais fúteis. Essas mulheres, chamadas de “repudiadas” pela sociedade, até poderiam se casar novamente, mas como eram socialmente execradas, raramente conseguiam novo marido, ficando sem amparo para sobreviver (não havia nada parecido com aposentadorias ou pensões alimentícias naquele tempo). A única saída para não morrer de fome, não raras vezes, era a prostituição. Jesus quebra esse paradigma, dando o direito ao divórcio tanto para homens quanto para mulheres, com a diferença de que o Mestre reitera que o plano ideal de Deus não inclui divórcio, e que ele só deve acontecer em casos extremos, os de adultério.
            Falando em adultério, existia uma lei judaica que ordenava que a mulher flagrada em adultério deveria ser apedrejada até a morte. Cinicamente, nenhuma punição era prevista para os homens. Diante de uma mulher acusada exatamente de adultério, Jesus manda que qualquer um que não tivesse pecado algum atirasse a primeira pedra, que Ele mesmo tinha nas mãos estendidas para os presentes. Esse desafio fez cada um deles consultar suas próprias consciências, e assim ninguém se atreveu a atirar a pedra. Todos se afastaram silenciosamente. Essa passagem traz uma lição importante: o Mestre em momento algum nega o pecado da mulher, e sim chama a atenção para o perdão. Como nenhum de nós é isento de pecados, todos devemos ter compaixão por quem quer que peque, e a compaixão sempre exige o perdão. E após perdoar, Jesus apenas pede para que a mulher não repita seu ato. Mesmo porque da próxima vez Ele poderia não estar mais por perto para defendê-la.
            No episódio da crucificação, enquanto os doze principais discípulos batiam em retirada amedrontados, Pedro chegando mesmo a negar até que conhecia a Jesus, quando interpelado por autoridades romanas, as mulheres permaneciam fiéis aos pés da cruz, acompanhando todo o sofrimento do Mestre. Mais um exemplo da compaixão tão ensinada por Jesus. Do céu, certamente o Pai aplaudiu aquelas heroínas. Após a ressurreição, foi para as mulheres que Jesus apareceu pela primeira vez. E ao relatar o fato aos discípulos, elas ainda foram obrigadas a ouvir, sem reclamar, um Pedro (o mesmo que negou conhecer Jesus) chamá-las de fofoqueiras, tagarelas, e de duvidar da sanidade mental delas. Graças à compaixão que elas, melhor do que ninguém, aprenderam do Mestre, elas não reagiram a esse insulto.
            Mas o maior exemplo de valorização das mulheres está em Maria, mãe biológica de Jesus. Que me perdoem os meus irmãos católicos, mas para mim, Maria não possuía em si mesma nada de especial. Mas por intermédio dela, Deus prestou a mais belas das homenagens à mulher. Segundo o famoso autor protestante Phillip Yancey, Maria foi o primeiro ser humano a receber a Jesus como seu Salvador. Ao receber do Anjo Gabriel a notícia de que seria mãe do tão aguardado e tão incompreendido Messias, e que seria fecundada pelo poder do Espírito Santo, Maria diz simplesmente: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo tua palavra” (Lc 1:38), e imediatamente ela entoa um dos textos mais belos de toda a Bíblia, conhecido como o “Magnificat”, ou “O Cântico de Maria”. Maria acompanhou Jesus por toda sua vida, ainda que por vezes não fosse capaz de crer, como todos os outros membros da família do Mestre, e era uma das mulheres velando Jesus aos pés da cruz. No evangelho de João, Jesus pede ao suposto autor do evangelho que cuide de sua mãe. Nesse gesto simbólico, é como se Jesus pedisse a todos nós, homens, para que cuidemos e tratemos com carinho de toda mulher, como se cada uma delas fosse nossa própria mãe.
            Outra coisa me impressiona no caso de Maria. Como Jesus é o Verbo de Deus feito carne, como compartilha da substância da divindade, Ele poderia se tornar homem da forma como bem entendesse. Jesus poderia ter nascido de uma folha de alface, e ainda assim seria Deus feito homem, não mudaria nada (até ajudaria, porque seria um nascimento para lá de sobrenatural). Jesus, porém, preferiu nascer carne humana vindo da carne humana. Mas reparem bem: Ele abriu mão de nascer de um pai, mas não de uma mãe! Não quero discutir aqui os aspectos científicos da (im)possibilidade de Jesus ter nascido de uma virgem, nem o fato de que a encarnação de um deus a partir de uma virgem tem paralelos em outros contextos religiosos, como no caso do Mitraísmo. Quero aqui enfatizar que o Deus-homem nasceu de uma mulher para resgatar a dignidade perdida quando do evento do Gênesis. Se o homem culpa a mulher pela perda do paraíso, Deus a dignifica fazendo dela nascer o Salvador que nos dará o Céu. Deus havia feito essa promessa no próprio Gênesis, mas perece que até hoje nós ainda não entendemos bem isso.
            Em Maria, todo o propósito de Deus para as mulheres foi cumprido. Maria é a prova histórica e teológica de que só a mulher pode ser ao mesmo tempo “Filha do Pai, Mãe do Filho e Esposa do Espírito Santo”. Talvez os séculos de opressão, discriminação e humilhação que a mulher vem sofrendo nos contextos cristãos tenham como causa uma inveja que nós, homens, temos desse privilégio feminino.
            Parabéns a todas as mulheres. Não pela sua data festiva, mas por cada dia em que vocês se mostram verdadeiras heroínas da fé, mesmo em momentos em que não parece haver nada em que se acreditar. Todas vocês são filhas do Pai, mães do Filho e esposas do Espírito Santo. Vocês são a personificação do perdão e da compaixão que constituíram os dois grandes mandamentos de Cristo. Vocês são o coração de Deus irradiando Amor no mundo.



sábado, 5 de março de 2011

Você é evangélico? Faça o Teste.



Tá vendo aquela igreja moço?
Onde o padre diz amém
Pus o sino e o badalo
Enchi minha mão de calo
Lá eu trabalhei também
Lá sim valeu a pena
Tem quermesse, tem novena
E o padre me deixa entrar
Foi lá que cristo me disse
Rapaz deixe de tolice
Não se deixe amedrontar

Fui eu quem criou a terra
Enchi o rio fiz a serra
Não deixei nada faltar
Hoje o homem criou asas
E na maioria das casas
Eu também não posso entrar

Fui eu quem criou a terra
Enchi o rio fiz a serra
Não deixei nada faltar

Hoje o homem criou asas
E na maioria das casas
Eu também não posso entrar

(da canção “Cidadão”, de Lúcio Barbosa)

           Pela segunda vez desde que fundei o blog, vou postar um texto que não é de minha autoria. Trata-se de um texto escrito por Bento Souto, e postado na comunidade "Crer Também é Pensar", do Orkut. Belíssimo texto, e o publico aqui com autorização do autor, conforme ele mesmo postou. Só peço aos meus leitores para, todas as vezes em que ele utilizar a expressão "evangélico", leiam como se estivesse escrito "cristão".  Mas eis o Texto:


VOCÊ É EVANGÉLICO? FAÇA O TESTE!

Muitos se ofendem com críticas feitas ao Evangélicos, pois se consideram como tais. Porém, pergunto, para que alguém seja considerado Evangélico, basta que essa pessoa diga: "eu sou"? Não há nenhum teste que a própria pessoa possa fazer para saber se ela é Evangélica ou não?

Foi com o intuito de responder essa questão que eu criei esse teste de uma só pergunta. Sim, uma só pergunta. Aqui está ela:

Você diria a alguém que quisesse saber onde poderia aprender mais sobre Jesus para que esse alguém procurasse a Igreja Evangélica mais próxima?

Se a sua resposta for SIM, você pode se considerar Evangélico.

Se a sua for NÃO, você não pode se considerar Evangélico.

Simples, não?

Não concorda com a conclusão do teste?

Você acha que pode se considerar Evangélico e não recomendar a Igreja Evangélica mais próxima?

Então, saiba, você não é mais Evangélico e nem sabe ainda.

Sabe por que eu digo isso?

Porque eu já fui Evangélico. Eu fui Evangélico no tempo em que a gente pregava nas ruas, praças, feiras, rádios, etc., e dizia para aqueles que quisessem aprender mais sobre Jesus para que procurassem a Igreja Evangélica mais próxima de suas casas.

Hoje, eu não faço mais isso de jeito nenhum.

Eu mudei?

Não, eu continuo crendo em quase tudo que cria naquela época.

E o que mudou para que eu diga que não sou mais Evangélico?

Mudaram os Evangélicos. E, mudaram para uma direção que eu não tenho a menor vontade de seguir.

Antes, ser Evangélico era crer que Jesus veio para servir e não para ser servido -- e que, portanto, nós devíamos seguir o exemplo dEle. Hoje, ser Evangélico é crer que Jesus faz com que os Ímpios (os não-evangélicos) nos sirvam, pois, segundo os Evangélicos atuais, nós nascemos para ser cabeça e não cauda.

Antes, ser Evangélico era crer no Deus dos homens. Hoje, é crer nos "homens de Deus". 
 
Antes, ser Evangélico era crer que a vida do homem não consiste na abundância dos bens que possui. Hoje, quem não possui bens está em pecado ou tem maldição sobre a vida.

Antes, ser Evangélico era estar coberto pelo sangue de Jesus. Hoje, é estar coberto pela pretensa autoridade espiritual de outro homem.

Antes, ser Evangélico era crer que nós éramos o templo que Deus habitava. Hoje, é crer que Deus vai habitar os templos suntuosos, de ferro e concreto, que estão sendo construídos supostamente para a "glória de Deus".

A lista de diferenças entre o que era e o que é ser Evangélico é imensa. No entanto, se você quiser saber que tipo de Evangélico eu era e qual era o meio em que vivia, leia o texto que escrevi sobre EDILSON BRAGA em http://blogdobento.blogspot.com/2011/03/edilson-braga-o-louco-de-deus.html

Mesmo depois de tudo que você leu até aqui, ainda assim você acha que o meu critério de seleção para quem é e quem não é Evangélico não retrata a realidade? Então, a prova é simples. Faça o mesmo teste com um Católico Romano. Pergunte se ele indica a igreja mais próxima da casa dele para quem quiser saber mais sobre Jesus.


Abcs Bento Souto

P.S. Não precisa nem pedir autorização. Quem quiser pode reproduzir esse texto onde achar que deve.