quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O CEU DE ICARO NAO TEM MAIS POESIA QUE O DE GALILEU


Tendo a Lua aquela gravidade aonde o homem flutua
Merecia a visita, não de militares
Mas de bailarinos
E de você e eu
(da canção "Tendo a Lua", gravada pelos Paralamas do Sucesso)

Vem sentir o poder, vem conhecer o segredo
De quem te projetou com amor
Corpo, alma e espírito
Elo de vida com o Criador
Você é fruto do sonho de Deus
(da canção "Gênesis", gravada pelo grupo Katsbarnea) 


            Há poucos dias atrás, comecei a pôr em prática um antigo projeto de infância. Como não tenho mais as “despesas operacionais” de um antigo empreendimento fadado ao fracasso, resolvi investir num novo hobby: a Astronomia Amadora. Depois de muito pesquisar na internet e em livros, e de me ver totalmente confuso com a miríade de modelos, marcas e preços dos telescópios disponíveis no mercado, bem como as diferentes opiniões dos astrônomos amadores sobre os mesmos, decidi começar seguindo o único conselho unânime entre os praticantes de astronomia amadora: comprei um bom binóculo.
            É incrível o quanto se pode ter de experiência em astronomia amadora com um simples e bom binóculo. Munido dele, de um tripé para evitar as inevitáveis tremulações das mãos, dado o peso, e do Stellarium, tido como o melhor programa de mapas astronômicos que existe, bonito e fácil de usar, com inúmeros recursos, além de ser gratuito, e de ter versões para Microsoft Windows, Linux e Mac Os X, lá fui eu esquadrinhar o céu, imbuído de absolutamente nenhum espírito científico. Minha intenção era tão somente descobrir o quanto o céu é belo. Em pouco mais de uma semana, e após adquirir prática com o manuseio do equipamento, consegui vislumbrar diversos aspectos da topografia da Lua, a Grande Nebulosa de Órion, bem como Júpiter e suas quatro maiores luas (Io, Ganímedes, Calixto e Europa, também conhecidas como “luas galileanas”, por terem sido descobertas por Galileu Galilei). Além disso, o binóculo revelou uma quantidade de estrelas muito maior do que aquelas visíveis a olho nu.


           Da Lua pude vislumbrar crateras, crateras raiadas (saem delas formações parecidas com ranhuras), alguns dos maiores montes, e alguns mares. Os mares lunares são, na verdade, planícies de coloração mais escura do que o restante do solo, e ganharam esse nome porque os antigos acreditavam serem eles mares de verdade, com água em estado líquido. Hoje se sabe que existe apenas gelo nos pólos da Lua. 


Nebulosas são grandes nuvens de poeira, hidrogênio e plasma, de cores e formas variadas, absolutamente espetaculares. Todavia, suas cores só são visíveis através de telescópios mais potentes. Pelo binóculo pude vislumbrar apenas algo como uma nuvem ou uma fumaça esbranquiçada, aparentemente mais distante do que as estrelas. A Grande Nebulosa de Órion está situada “acima” das famosas “Três Marias”, as três estrelas praticamente alinhadas, no centro da constelação de Órion.


Já Júpiter distingue-se de uma estrela pelo fato destas terem sempre o aspecto de estrela, seja a olho nu, seja pelo binóculo (algumas estrelas, pelo binóculo, se mostram da verdade um par delas, constituindo sistemas solares binários, e existem até sistemas ternários, mas esses eu ainda não pude ver). Júpiter, por seu turno, aparece nas lentes do binóculo como uma bolinha alaranjada, de contornos definidos, com quatro pequenas luzes à sua volta, exatamente as quatro luas galileanas. Sempre me intrigou o fato de Galileu Galilei ter conseguido identificar quatro luas em Júpiter utilizando apenas uma luneta rudimentar. E qual não foi minha surpresa ao me ver fazendo o mesmo, e até com certa facilidade. No início, eu interpretei os quatro pontinhos luminosos como algum fenômeno ótico afetando o bom funcionamento das lentes. Mas logo depois percebi que eles mudavam de posição a cada observação (costumo fazer uma por noite, sempre que as condições metereológicas assim o permitem). Consultando a internet, confirmei serem os pontinhos as quatro luas galileanas de Júpiter. E como a cada dia elas estão em posições diferentes, e tendo em vista o tamanho do planeta, concluí que a velocidade das luas deveria ser vertiginosa. Pesquisando novamente na internet, descobri que Io, por exemplo, viaja a 17,33 km/s. Como um dia na Terra possui 86400 segundos, isso significa um percurso de 1.497.312 quilômetros a cada dia. Não espanta o fato das luas de Júpiter parecerem dançar.


           Apesar da aparente cientificidade de minhas palavras, meu olhar de astrônomo amador não tem quase nada de científico. Tampouco estou muito interessado no céu dos poetas, apesar de ser inclinado à poesia, e de volta e meia declinar minha vida em versos não tão belos quanto a motivação para escrevê-los. Meu olhar para o céu é de uma reverência quase religiosa. Na beleza desses corpos celestes, bem como em outros detalhes do Universo, transcreve-se a Sabedoria e o Amor de Deus. A Criação proclama aos quatro ventos a existência do Criador.
Vivemos em um planeta Terra absolutamente aconchegante e acolhedor. Nossa mãe Gaia reuniu, ao longo de alguns poucos bilhões de anos, todas as condições necessárias para o desenvolvimento da vida, desde o mais simples organismo unicelular, até seres capazes de amar e odiar, de orar a Deus e fazer guerra, de fazer ciência, cantar canções, e de se indagar acerca do sentido e do destino de sua própria existência. Mas isso só foi possível graças a um conjunto enorme de fatores reunidos. Bastaria que faltasse qualquer um desses fatores, um único deles, para que a vida na Terra se tornasse inviável.
Praticar astronomia amadora me coloca frente a frente, e de uma maneira única, com alguns desses fatores que possibilitaram o desenvolvimento da vida na Terra. Vejamos a Lua: uma imensa rocha fria e sem vida, com um terço do tamanho de nosso planeta, fruto da colisão da jovem Terra com outro planeta, no início da história do Sistema Solar. Linda, apesar da desolação de sua paisagem, ela reflete em tons prata a luz recebida do Sol, iluminando nossas noites, e inspirando os poetas e casais de namorados. À Lua são dedicados os mais melodiosos uivos dos cães e lobos, e os mais brilhantes delírios dos loucos. Mas o que realmente a Lua representa para nós? Cientificamente, sabemos que ela, através de sua ação gravitacional sobre a Terra, atua como uma espécie de prumo, garantindo a estabilidade dos movimentos de rotação (ao redor de si mesma) e de translação (ao redor do Sol) da própria Terra. Sem a Lua, nosso planeta bailaria desgovernado pelo espaço, podendo colidir-se com outro corpo celeste, ou mesmo perder-se para fora das fronteiras de nosso sistema solar, impossibilitando o surgimento de toda e qualquer forma de vida.  Isso também aconteceria hoje, se a Lua fosse destruída de uma hora para outra. Seria um espetáculo único, mas aniquilaria toda a vida na Terra. Não sobraria nenhuma testemunha para lembrar o fato.
Júpiter, aquela pequena bolinha amarela com quatro minúsculos pontinhos luminosos dançando ao seu redor, é na verdade um gigante gasoso, o maior planeta de nosso sistema solar. Composto principalmente de hidrogênio e hélio em forma gasosa (sequer sabemos se ele possui um núcleo sólido) a massa de Júpiter é cerca de 2,5 vezes maior do que a soma da massa de todos os outros planetas do Sistema Solar. Com isso, sua força gravitacional é imensa, fazendo com que ele atraia para si todos os corpos celestes menores que passam próximo de seu campo gravitacional. Acredita-se que a maioria das dezenas de luas de Júpiter sejam asteróides capturados pela força de seu campo gravitacional. Os meteoros que compõem seus anéis (sim, foi descoberto recentemente que Júpiter também possui anéis, porém não tão vistosos quanto os de Saturno) são, com certeza, capturados de fora. Assim, sem a proteção de Júpiter, a Terra seria até hoje bombardeada por meteoros, tal como o foi nos primeiros momentos de sua vida. Isso fatalmente também faria impossível o surgimento da vida.
As nebulosas não nos protegem contra nenhum perigo, mas elas são distantes restos da Grande Explosão (o famoso Big Bang) lançados no espaço, como a poeira da implosão de um prédio. Segundo a ciência, a grande explosão transformou a massa de densidade infinita, que inicialmente compunha o cosmo, no universo tal como o conhecemos hoje. Essa explosão que criou o universo precisou de uma causa exterior ao próprio universo para poder acontecer, do contrário o equilíbrio do sistema não seria abalado, e nada ocorreria. Eu chamo essa causa exterior de Deus, e Albert Einstein certamente concordaria comigo. “Deus não joga dados com o universo”, dizia sempre ele. As nebulosas, então, seriam o eco do FIAT divino. Seriam os escombros da explosão provocada pela voz de Deus, que “no princípio criou os céus e a terra” (Gn 1:1).
Simplesmente extasiado. É como me sinto podendo admirar, através de um simples binóculo, algo dessas maravilhas criadas por Deus, seja para me proteger e tornar minha existência possível, seja para me servir de testemunha de que um dia Deus sonhou comigo, e planejou não apenas meu nascimento, mas também a minha casa, provendo com seu Amor e com seu Poder tudo o que fosse necessário para que eu viesse à luz. Todos os ingredientes necessários para a vida foram cuidadosamente colocados lá, no lugar certo, na hora certa, para que um dia pudéssemos existir e dizer: “obrigado, Senhor”. Cada vez que contemplo a Lua, vejo não apenas uma beleza apaixonante, mas um carinho e uma proteção de mãe, sempre mantendo seu filho num caminho reto, livre de perigos, nunca deixando ele se perder de seu campo visual. Minha vontade ao olhar a Lua é sempre dizer: “agradeço a Deus pela sua existência. Sem você eu não estaria aqui”. Júpiter é um guarda-costas, ou um irmão mais velho, sempre alerta para nos defender de assaltantes e agressores, mantendo-os longe, seguros pelos seus braços fortes, e as nebulosas nos lembram de um Deus que um dia nos planejou, e projetou de forma minuciosa a nossa morada. É um louvor a Deus contemplar a perfeição de sua Criação, como sugere o apóstolo Paulo em Rm 1:20.
Os corpos celestes são objetos de interesse científico, e ao mesmo tempo inspiram a mais bela das poesias. E a ciência com poesia tem o poder de nos aproximar de Deus. Basta olhar com os olhos certos.