sábado, 27 de novembro de 2010

Perguntas Que Não Querem Calar ou O Rio Pede Paz!


           O estado do Rio de Janeiro vive já há quase uma semana um drama conhecido por todos. Facções criminosas estão começando a reagir à nova política de segurança implementada pelo estado, que expulsou muitos traficantes de suas favelas (que me perdoem os politicamente corretos, mas chamar favelas de comunidades lembra um amigo meu, quando ele diz que um cara bonitinho é simplesmente um cara feio bem vestido). Em cumprimento a ordens saídas de presídios de “segurança máxima”, vindas de conhecidos chefões do tráfico, diversos criminosos, em vários pontos do estado, e de forma aparentemente desordenada, começaram a espalhar o terror, incendiando carros, caminhões, vans e ônibus. Apenas os veículos foram atingidos, nenhum centavo sequer foi roubado das pessoas. Um claro gesto político, efetuado por bandidos tentando mostrar ao mundo que estavam reagindo, que tinham algum poder.
           O governo do estado tomou imediatas providências, e numa operação histórica, onde a polícia militar contou com  a cooperação das outras polícias e das forças armadas, a favela que concentrou o maior número de ataques foi rapidamente ocupada, até com certa facilidade. Digo histórica porque pela primeira vez uma operação deste tipo foi comandada não pelas forças armadas, mas pela própria Polícia Militar. Aliás, é como deve ser. A Polícia Militar é quem mais entende de operações dessa natureza. Câmeras de TV mostravam o tempo todo criminosos fugindo desesperados, com a clara intenção de demonstrar como eles são despreparados, e não têm a menor chance em confrontos de igual para igual com as autoridades.
           O que teria levado os criminosos a essas ações é óbvio. O Rio de Janeiro está definitivamente inserido no contexto mundial, pelo fato do Brasil ter sido escolhido como sede da Copa do Mundo de 2014, e pelo próprio Rio de Janeiro ser a sede dos Jogos Olímpicos de 2016. A intenção dos criminosos era claramente sujar a imagem do Rio de Janeiro diante do mundo, em protesto contra a ocupação das favelas pelas UPPs. Eles sabem que os olhos do mundo estão se voltando cada vez com mais freqüência para a cidade. Inclusive, um dos canais de documentários de TV a cabo, não me recordo qual, lançou uma série sobre o Rio de Janeiro, onde se discute as reais condições da cidade para sediar eventos dessa magnitude. E a segurança pública é o foco da série.
           Com minha rotina virada de cabeça para baixo, não pude deixar de tecer alguns questionamentos acerca desses problemas. O primeiro vem de uma indagação que tenho feito desde quando comecei a discutir o modelo das UPPs. Será que o governador achava que os traficantes expulsos de suas favelas iriam miraculosamente se regenerar, e começar a vender amendoim ou picolé na praia? Quando se tira um traficante da favela onde ele tem seu “negócio”, e ele não é preso ou morto, ele tem de ir para algum lugar. E logicamente ele vai se juntar a traficantes de outras localidade pertencentes à mesma facção dele, e vai tentar se reorganizar. Para isso eles podem invadir favelas dominadas por facções rivais, ou mesmo começar a praticar outros crimes, com o fim de levantar fundos para retomar suas atividades de tráfico. Ou seja, apenas expulsar os traficantes das favelas não resolve o problema, apenas o transfere de lugar. Mas o governador, que atua mais como se fosse prefeito da capital do que como governador mesmo, está interessado muito mais em “limpar” as regiões onde os futuros megaeventos terão lugar, do que em realmente combater o crime. A segurança pública é de importância secundária.
           Outra importante questão: toda vez que a polícia realmente quer, ela domina totalmente o tráfico. O traficante recebe uma arma tão logo passa a ter forças para carregá-la, e vai para o tráfico sem o menor preparo, enquanto o policial recebe treinamento, e está muito mais preparado para o confronto. O tráfico é covarde, e só parte para o conflito em situações de clara vantagem numérica. Jamais eu soube de um traficante encarar um policial numa situação de igual para igual. Sempre afirmei isso, e a imprensa destacou muito esse fato, mostrando centenas de traficantes batendo em retirada desesperados, diante de um grupo bem menor de policiais. Então a pergunta que não quer calar: se o crime organizado não é tão preparado, como muitos supunham, se a polícia é tão superior assim, por que cargas d’água essas ocupações não foram realizadas antes? Por que nunca tivemos antes essas ações coordenadas entre as polícias civil, militar, federal, e as forças armadas, com as pessoas certas no comando? Se realmente é assim tão fácil, como a imprensa nos fez ver, isso poderia ter sido feito há muito tempo. E novamente a resposta vem do fato da segurança da população ser coisa de menor importância. Assim como os traficantes começaram a baderna para mostrar ao mundo a falta de condições do Rio de Janeiro para sediar Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, nossos governantes agiram para tentar provar ao mundo o contrário.
           Sempre deixando um rastro de verdadeiros mártires do descaso de nossas autoridades, inocentes mortos, feridos, ou com prejuízos de ordem material, esses acontecimentos, no fim, só nos levam a uma triste constatação: boa parte de nossos problemas sociais são questões mais simples e mais fáceis de serem resolvidas do que muitos de nós pensávamos, e do que nossas autoridades tentam o tempo todo nos fazer crer, apoiados por uma imprensa sem nenhuma imparcialidade, subserviente aos nossos governantes, vendida aos interesses do grande capital, e mais interessada em vender um espetáculo do que em realmente informar a população. O que falta para nossos governantes realmente resolverem esses problemas? Apenas VONTADE POLITICA!

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A ARTE DE PERGUNTAR "POR QUÊ?"


Os pecados são todos meus
Deus sabe a minha confissão
Não há o que perdoar
Por isso mesmo é que há de haver mais compaixão
(da canção “Drão”, de Gilberto Gil)


Os últimos acontecimentos de minha vida me ensinaram muito. Fui privado de tanta coisa, e a cada novo golpe da vida eu me percebia tal como uma espada, sendo pacientemente forjada pelo Grande Ferreiro do Universo. Golpes duros, fortes, mas precisos, e necessários para dar forma à espada. Sem eles, ela perderia o fio amolado.
O Mestre disse certa vez duas frases, conhecidas como a Regra de Ouro: Ele nos advertiu para não fazermos aos outros as coisas que não gostaríamos que fossem feitas a nós, e nos aconselhou a fazermos aos outros as coisas que gostaríamos que nos fizessem. Na verdade a mesma máxima, escrita com redações opostas. Uma subentende a outra.
            Às vezes um axioma é confirmado não por sua realização, mas exatamente por ele não se concretizar. E assim fui sendo forjado, aprendendo a jamais negar, a quem quer que seja, qualquer coisa de que fui privado ou privei os outros. Por não compreender e não ter sido compreendido, aprendi a ser compreensivo. Por não dar e não receber compaixão, aprendi a ser compassivo. Por não perdoar e não ter sido perdoado, aprendi o valor do verdadeiro perdão. Por ver em mim mesmo e em todo lado rancor e mágoa, aprendi a esquecer. Por cobrar demais dos outros e por ter sido cobrado de coisas acima de minha capacidade, aprendi a não exigir nada de ninguém. Por ser ignorado e por ignorar, aprendi a não esquecer as pessoas. Por me terem feito chorar, e por ter feito tanta gente chorar, aprendi a sorrir, e a tentar levar os outros sempre a sorrir. Por ter sido deixado na solidão, e por abandonar quem precisava de mim, aprendi a não deixar ninguém sozinho. Por não ter sido amado de verdade, e por muitas vezes não traduzir em atos o amor que senti, aprendi o quanto devo amar. Por eu ser injusto exatamente tentando ser justo demais, e por terem sido injustos comigo, aprendi que não devo jamais faltar com a justiça para com ninguém.
            As pessoas frequentemente se apegam a coisas nas quais elas querem acreditar, independente de serem ou não verdadeiras. Mesmo eu não escapo disso, e talvez esteja apenas criando minha própria ilusão, a fim de entender os caprichos de um destino cego, ou mesmo para tentar me isentar da culpa pelos meus atos. Mas isso só muda minha compreensão dos acontecimentos, e não tem qualquer relação com o fato de eu carecer de compreensão, de compaixão, de perdão, ou pelo menos de justiça. Preciso e careço de não ser deixado em minha própria solidão, e preciso muito, mas muito mesmo, não ser cobrado para além de minhas capacidades. Fiz algo para merecer qualquer dessas complacências? Isso nem importa: pelo simples fato de ser humano, de ter sido criado à imagem e semelhança de Deus, e de sofrer todas as mazelas da condição humana, mereço ser tratado como gente.
            Certos atos são tão simples, e ao mesmo tempo são inacreditavelmente difíceis de serem executados. Compreensão, por exemplo. Buscar entender, colocar-se no lugar do outro, é o ponto de partida para todos os outros gestos de amor, é a base para toda ação realmente transformadora. Tendemos a explicar as coisas segundo nossos valores, retirando de nossos arsenais de respostas prontas soluções para tudo e para todos. Mas precisamos atirar fora essa capa de preconceito, para em seguida dizermos a palavra mágica: “por quê?”. Talvez com isso, mesmo o ato aparentemente mais insano de nosso semelhante comece a fazer sentido. Que motivação o levou a fazer o que fez? Essa indagação deve sempre passear por entre nossos lábios e mentes. Mas a resposta para ela deve vir não de nossas suposições, mas diretamente do coração de nosso semelhante. E para isso nós precisamos ouvi-lo, precisamos abrir nosso coração através de nossos ouvidos, ainda que o que venhamos a ouvir possa ser estranho, ou mesmo nos machucar. Entendendo nosso semelhante, podemos nos identificar com seu sofrimento. Perdoamos com mais facilidade. Tendemos a ser mais compassivos.  Temos mais chances de ser justos.
            Uma coisa deve ficar clara: entender de forma alguma significa concordar. Entender o outro é tão somente absorver a sua lógica, saber por que o outro fez o que fez. Não devemos compactuar com o erro; na verdade, temos inclusive o dever de combatê-los. Mas sempre devemos combater esse bom combate com a consciência de que poderíamos ser nós cometendo aquele erro, e nesse caso, como gostaríamos de ser tratados? Agir diante do erro alheio da forma como gostaríamos que agissem conosco em igual situação é agir com compaixão.
            Compaixão. Significa literalmente “sofrer junto”. O maior exemplo de compaixão já visto pelo mundo, para mim, foi o de Jesus Cristo. Diz o texto bíblico que em Jesus, Deus se esvaziou de sua divindade, para sentir todo o sofrimento humano em seu próprio ser. Ao gritar “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”, pendurado na cruz, o Mestre vivenciou da forma mais horrenda o absurdo da existência, o total desamparo, total solidão. E Jesus nos orienta a amarmos uns aos outros, da mesma forma como Ele nos amou. O cumprimento desse mandamento também implica em sermos compassivos, em nos identificarmos com o sofrimento do próximo.
            Percebo com pesar ser essa uma disposição de ânimo tão rara entre as pessoas. Eu mesmo sempre defendi esse ponto de vista em nível teórico, mas precisei de uma das lições mais dolorosas de minha vida para começar a colocar isso em prática. E mesmo assim, não o faço como imagino que deveria; o velho homem em mim ainda se debate, tentando seus últimos esforços para se manter vivo, soltando gritos de agonia. Lutero dizia que a vida do cristão deveria ser uma eterna penitência, dada a nossa incurável tendência para o erro. E enquanto eu for humano nesse mundo preciso de compreensão e compaixão. De dar e receber compreensão e compaixão.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

EU PREFIRO SER ESSA METAMORFOSE AMBULANTE





E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar
Não tem tempo, nem piedade
Nem tem hora de chegar
Sem pedir licença, muda a nossa vida
E depois convida a rir ou chorar
(da canção “Aquarela”, de Toquinho, Vinícius de Moraes, G. Morra e M. Fabrizio)

Certa vez, Raul Seixas disse que tinha inveja dos atores, pois esses viviam um personagem diferente a cada trabalho, enquanto ele havia sido confinado a um único personagem chamado “Raul Seixas”. Em minhas muitas andanças por aí, costumo sempre observar as pessoas, olhar em cada rosto, para ver se descubro algo desse universo tão diversificado chamado ser humano. Olhar as pessoas e se indagar como elas são, o que fazem, como vivem, é um exercício fascinante, recomendo a todos. Inúmeras pessoas passam por nós todos os dias, e cada uma delas possui sua identidade, sua história. Todas únicas, irrepetíveis. São verdadeiros livros, filmes e documentários ambulantes, quase todos sem ninguém para realmente apreciá-los.
           Tenho por vezes a sensação de que a maioria das pessoas pensa de forma diametralmente oposta a Raul Seixas. Em geral, nós criamos um personagem para nós mesmos, nos identificamos com ele, e nos apegamos a ponto de esquecermos que se trata apenas de um personagem. E digo criamos um personagem mais por força de expressão. Na verdade, esse personagem é criado por um emaranhado de forças de diferentes origens. São fatores biológicos, históricos, psicológicos, sociais, emocionais, espirituais, e se formos colocar na ponta do lápis, nossa participação nisso é até pequena. Raul Seixas estava certo: ele não se confinou em um personagem, ele foi confinado.
           Desde nosso nascimento, começamos a receber uma série de “cascas”, que são postas sobre nós como tinta sobre uma parede branca. Essas cascas vão se sobrepondo umas às outras, esculpindo-nos em formas variadas. Já nascemos com uma série de características biológicas, e logo depois nos é dado um nome (e ninguém pergunta se concordamos com a escolha). Depois vêm as outras cascas: um time de futebol para torcer, uma formação intelectual, uma profissão, família, amigos, convicções políticas, religião, hábitos, manias, e assim sucessivamente. Por fim, damos a esse conjunto de cascas sobrepostas o nome de “EU”. Essa “armadura” adere tão fortemente a nós, que sequer percebemos tratar-se apenas de rótulos, contingências de nossa história pessoal, acidentes de percurso. E se analisarmos bem, quantos desses rótulos foram realmente escolhas nossas? Provavelmente nenhum deles.
           O conjunto dessas cascas, desses rótulos, forma o personagem confundido por nós como sendo nosso eu. Essa confusão é reforçada pelo fato dessa sobreposição de cascas ser virtualmente impossível de ser repetida, dado o número de variáveis envolvidas. Isso confere uma identidade única ao nosso personagem, e acaba nos fazendo pensar em nossos rótulos como sendo parte de nossa essência, como algo inerente ao nosso ser. Somos tão profundamente imersos em nossos personagens, que sempre que somos convidados a falar de nós mesmos, acabamos por apenas dissecá-lo, separando uma por uma as cascas que o compõem.
Sobre nossa essência em si, não somos capazes de dizer nada. Muitos inclusive comparam o homem com uma cebola. A cebola não possui um caroço, um núcleo, e nada mais é do que uma sucessão de cascas sobrepostas. E quando as retiramos todas, o que sobra? Nada. Na verdade, não somos capazes de falar de nossa essência porque não há como se dizer nada de concreto a seu respeito, uma vez que a ela é pura potencialidade, puro “poder-vir-a-ser”. Mas parece que os psicólogos e os budistas são os únicos a compreenderem isso. Tampouco temos meios para atingir nossa essência. Podemos apenas tirar proveito da noção dela, tentando não ficar tão presos ao nosso personagem. Da mesma forma como as cascas nos foram colocadas, elas podem ser retiradas, trocadas, ou podemos apenas acrescentar outras mais. Assim, ficaríamos libertos da prisão de sempre ter que agir em conformidade com nosso personagem. Frases como “Isso não é atitude de alguém de sua classe!” não fariam mais sentido algum.
           Obviamente, sempre existe o outro lado da moeda. Se por um lado a maioria de nós fica restrita a um número muito limitado de rótulos aglutinados em um único personagem, por outro a pós-modernidade, com seus mais diversos pluralismos, gera pessoas com verdadeira fobia a qualquer tipo de rótulo. Gente que troca de aparência física, de ideologia, de religião, de gostos musicais, como se troca de roupa. A alegação é sempre a mesma: “eu não sou preso(a) a rótulos”. Pura ilusão. Na verdade, são pessoas tão presas a rótulos quanto qualquer um, apenas com uma particularidade: são pessoas presas a um único rótulo, que é justamente o rótulo de não ter rótulos. E mesmo a constante mudança de rótulos tem um forte componente social. Em geral, se abraça um rótulo quando este é exótico, quando destaca o indivíduo na multidão. E esse mesmo rótulo costuma ser abandonado quando começa a se tornar padrão, quando se torna lugar comum vê-los em outras pessoas. Não há como negar: isso proporciona uma forte impressão de autenticidade, e de uma identidade bem marcada. Faz as pessoas se sentirem “diferentes”, “especiais”. Mas também é uma ilusão.
           Ao fim das contas, uma coisa parece clara: como nossa essência é pura potencialidade, ela só pode se expressar no mundo através das cascas (Jung preferiria chamá-las de personas, máscaras). Não é livre quem vive preso a um único personagem, mas também não o é quem vive preso a trocar de personagem o tempo todo. Sendo assim, qual a saída? Seria a instauração do segundo grande paradoxo: da mesma forma que devemos viver como se fôssemos morrer amanhã e ao mesmo tempo fôssemos viver para sempre, precisamos vivenciar nossos personagens em toda sua intensidade, sem contudo nos apegarmos a qualquer um deles. Apenas a título de ilustração, há menos de dois anos atrás, eu era casado, morava em Itaboraí, e trabalhava no Banco Itaú. Hoje eu sou solteiro, moro em São Gonçalo, e trabalho na UFRJ. Quase nenhuma dessas mudanças foi escolha minha, e o que seria de mim se eu estivesse apegado ao meu antigo personagem? Como desenvolver de forma sadia o novo? Sem dúvida, não haveria como. Eu seria apenas um zumbi, um ser sem alma, vagando à procura de um fantasma, um ser já há muito falecido. Quantas pessoas assim cada um de nós não conhece?
           Num ponto dou razão ao budista. A maioria de nossas mudanças ocorre à revelia nossa, não são escolhas conscientes. E uma Paz de espírito verdadeira (Paz com “P” maiúsculo, não a calmaria, que também é ilusão) advém exatamente quando nos tornamos capazes de transitar por essas mudanças, colaborando com elas sempre que pudermos e quisermos, quando tomamos consciência de que não temos total controle do processo, e muita coisa acontece independente de nossa vontade, mas principalmente quando conseguimos não nos apegar a nenhum dos personagens criados.
           Apenas depois de termos consciência de que tudo o que pensamos ser, e tudo o que o mundo pensa que somos, não passa de meros rótulos impostos a nós por nossas histórias pessoais, podemos realmente tentar olhar para dentro de nós, e assim conseguir enxergar nosso verdadeiro eu. Do contrário, veremos apenas máscaras.
           

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

DEUS, O ATEU E O ARQUIVERSO



         
Dentre as muitas críticas feitas pelos ateus à religiosidade, uma delas merece, em minha opinião, ser levada muito a sério. Os homens, dizem eles, criam deuses à sua própria imagem e semelhança.
Existe no ser humano uma aversão natural, atávica mesmo, à ignorância. Nas crianças, esse sentimento é facilmente observável. Quando fazem uma pergunta, as crianças não aceitam ficar sem resposta. Basta responder a qualquer pergunta feita por uma criança com um “não sei”, ou algo parecido, e ela mesma tratará de responder, ainda que para isso tenha que inventar a reposta. E curiosamente, mesmo a reposta inventada da criança a faz se dar por satisfeita. A criança crê em sua própria invenção.
 Ateus e agnósticos fazem coro em concordância com a idéia expressa acima, e vão mais além. Para ambos, essa dificuldade em aceitar ficar sem resposta não é exclusividade do mundo infantil. Adultos também inventam respostas para suas angústias, e crêem nelas. Crêem ao ponto de serem capazes de matar e morrer por elas. Os mais variados fundamentalismos são provas indiscutíveis desse fato.
 Diante do absurdo da vida, tão bem retratado pelos filósofos existencialistas, diante da falta de sentido para o mundo, e da inevitabilidade da morte, dizem os ateus e agnósticos que o homem inventa deuses, paraísos, vidas eternas, e com isso cria a religião. Tudo para dar conta da falta de resposta para as perguntas essenciais da metafísica: “quem somos?”, “de onde viemos?”, “para onde vamos?”, “por que existimos?”, entre outras. A vida e a morte, esses dois pontos de interrogação desafiadores, dos quais não somos capazes de dizer coisa alguma de forma segura, ganham então os mais variados contornos, diferentes formas para o mesmo conteúdo. Para a maior parte do pensamento religioso, há um ser todo-poderoso. Este ser criou o universo e o homem, e vai presenteá-lo com uma vida eterna de felicidade. Para isso o homem precisa tão somente seguir as regras criadas por esse ser. E normalmente essas regras são impostas por pessoas tidas como representantes desse ser na Terra. Nesse ponto o ateu brada: esse ente, chamado Deus pelos crentes, não passa de uma projeção dos anseios mais íntimos do homem, e no fim só serve para legitimar ações de poder. O agnóstico apenas sorri: para ele essas são questões para as quais simplesmente não existem soluções. Ele parece ser o único tipo de gente capaz de conviver com a ausência de respostas. Ou pelo menos tenta.
Soberbos por definição, ateus e agnósticos consideram toda forma de religiosidade uma mera superstição, resquícios de pulsões infantis, coisa de homem primitivo, ignorante (está aí Freud, que não me deixa mentir). O homem moderno já deveria ter superado isso há muito tempo. Afinal, tudo no universo pode hoje ser explicado em termos de relações naturais de causa e efeito, graças à maravilhosa ciência. A meta é fazer o conhecimento científico substituir de uma vez a obsoleta e nociva religião, e assim poderíamos inaugurar o paraíso na Terra mesmo. Para quê esperar o céu, afinal?
Mas a ciência não descreve o mundo exatamente como ele é; apenas produz modelos de compreensão do funcionamento do universo. Esses modelos teóricos são sempre indiretos, obtidos a partir de métodos matemáticos e de instrumentos de medição. Explicam a natureza por analogia. Uma teoria científica é aceita quando seus cálculos prevêem um resultado idêntico ao observado na natureza, ou pelo menos suficientemente parecidos, a ponto de podermos desprezar as diferenças. Mas isso não prova que a natureza opera segundo as mesmas regras. Pode ser apenas uma questão de coincidência. E mais importante: a ciência descreve como o mundo funciona, mas não se indaga POR QUE o mundo existe. Não há questionamento sobre a finalidade da criação. O cientista se contenta em dizer que o universo é fruto de um mero acaso, apenas pelo fato de não ser possível comprovar cientificamente o contrário. Mas isso também não seria uma resposta inventada para a angústia de uma pergunta não respondida? Não seria a ciência uma religião, tendo esse tal de “ACASO” como Deus?
Para o cientista, todo evento que ocorre no universo é decorrente de uma causa anterior, e essa causa é efeito de uma outra mais anterior ainda, e assim sucessivamente, até chegarmos ao instante da criação do universo. Aí surge o problema: se o universo foi criado em dado momento, e se todo evento é efeito de uma causa anterior, então o universo precisa de uma causa exterior a si mesmo para poder vir à existência. Para a própria ciência, a massa que hoje compõe o universo estava toda aglutinada em um único ponto, e permaneceria assim, não fosse algo perturbar seu equilíbrio e fazer tudo explodir. Teoria famosa, conhecida como o Big Bang (a Grande Explosão). Mas o que quer que tenha perturbado o equilíbrio da matéria e provocado a explosão, também é efeito de uma causa anterior, sua causa também o é, e assim ficaríamos condenados a sempre voltar um pouco mais, de causa em causa, sem jamais chegar ao fim (na verdade ao começo, à causa que não teve causa). A não ser que admitamos que algo fora do universo, sem uma causa natural, tenha iniciado o processo. A ciência chama isso de Singularidade, e Einstein não hesitou em chamar de Deus.
Para se livrar do incômodo da singularidade, o obstinado cientista, aplaudido de pé pelo ateu e pelo agnóstico, criou uma teoria bizarra, no melhor estilo “sci-fi”: não haveria apenas um, mas muitos universos, multiversos convivendo lado a lado, todos diferentes versões da mesma matriz, réplicas de nosso universo com algumas modificações. Inclusive, existiriam vários “eus”, um em cada um desses universos, e em alguns eu poderia até mesmo nem existir. Nesse universo, por exemplo, sou autor de blog, mas em outro posso ser soldado nazista, em outro stripper de boate inferninho, naquele outro uma tartaruga ninja, enfim, posso ser tudo, ou pelo menos posso ser tantas coisas quantos universos existirem. Esses caras não estão lendo quadrinhos da Marvel e DC Comics demais?
Contudo, o próprio cientista afirma ser impossível provar a teoria do multiverso. Ela seria um modelo teórico, o mais aceito pela atual astrofísica, apenas por conseguir prescindir de qualquer singularidade. Traduzindo, a teoria do multiverso é tão cientificamente improvável (no sentido de não poder ser provada pelo método científico) quanto qualquer religião. Mas ela é aceita apenas por permitir ao cientista excluir a hipótese de Deus.
Na verdade, toda essa verborrágica não passa de um jogo semântico. A ciência antes definia o universo como a totalidade do mundo material, e hoje ela o define como apenas uma parte dessa totalidade. Todavia, nós podemos pensar em todos os multiversos juntos como uma totalidade ainda maior, e dar um nome para isso. Sugiro “ARQUIVERSO”. E aí trazemos de volta o velho problema da singularidade. Que causa externa ao arquiverso provocou sua criação? E se a ciência disser que existem muitos arquiversos, podemos simplesmente repetir a operação. Precisaremos apenas de um nome novo.
O método científico tem seus limites, e a ciência, desde o surgimento da Física Quântica, parece já estar à beira de atingi-los, como bem frisou o famoso astrofísico Fritjof Kapra, autor de best-sellers como “O Tao da Física” e “O Ponto de Mutação”. Não é honesto um cientista proclamar válida uma teoria que ele mesmo admite não ser capaz provar cientificamente, apenas pelo fato dela lhe permitir jogar Deus para escanteio. A crença em Deus nunca foi empecilho para a ciência, muito embora as religiões organizadas o sejam por diversos momentos. Mas crer em Deus e ter uma religião não são a mesma coisa.
Se por deus entendemos entes que adoramos, aos quais servimos, e nos quais cremos de forma cega, existe uma miríade de deuses passeando pelo mundo. Pode ser o poder, ou o dinheiro, o sexo, a pessoa amada, a igreja ou outra instituição, e assim vai. Até a ciência possui a sua própria divindade, e ela se chama ACASO, como demonstramos em linhas anteriores. Mas entender DEUS como o princípio pelo qual todas as coisas vieram à existência é uma necessidade. No primeiro capítulo da Epístola aos Romanos, versículo 20, Paulo, falando dos gentios, que não conheciam o Deus judaico, afirma: “Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis”. Para Paulo, a criação era a prova mais contundente da existência do Criador, e mesmo os gentios deveriam ser capazes de reconhecer esse fato.
Não é possível provar a existência de Deus pelo método científico, mesmo porque a ciência trabalha fazendo recortes do universo; se não agisse assim ela sequer poderia definir seus objetos de estudo. Nenhum recorte finito é capaz de conter o infinito, e Deus é infinito por definição. A ciência não é capaz de estudar Deus por seu método, não prova que ele existe, mas também jamais provará o contrário.
Vejo Deus como Paulo, estampado na criação, nessa maravilha que é o universo. Não consigo ver toda essa complexidade como simples fruto de um acaso cego. Como dizia o importante psicólogo C. G. Jung, “eu não acredito em Deus, eu SEI”. Todos os sistemas de crença de todas as religiões são meras conjecturas, e eu mesmo admito ser cristão por um ato claro de fé. Reconheço a presença de Deus em todo coração sincero, independente de sua religião. Vejo Deus até mesmo no cientista adorador do Acaso. E sequer me dou ao trabalho de tentar demonstrar a superioridade do cristianismo, e apenas prego a Cristo.
Todas as religiões, mesmo o cristianismo que eu professo, são hipóteses. Deus é um fato.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

OBRIGADO, BRASIL!



          Depois de séculos de colônia, de impérios cujos tronos eram ocupados por portugueses, de repúblicas de café com leite, de ditaduras civis e militares, de neoliberalismos que só trabalhavam para o capital especulativo, o Brasil finalmente prova que mudou.
           Acostumamo-nos a sermos governados por gente de nossas elites. Vimos, ao longo de 500 anos, nossa terra ser saqueada, e nossas riquezas serem escoadas descaradamente para fora de nossas fronteiras. Vimos nossa força de produção, empresas estatais, cujo verdadeiro dono era o povo, e que davam lucro, serem vendidas a preço de banana para o capital estrangeiro. Vimos setores estratégicos de nossa economia terem seus monopólios estatais transformados em monopólios privados. Vimos nosso país ser transformado em uma mistura de  cassino com paraíso fiscal.
           Então um dia apostamos em um homem do povo. Operário de chão de fábrica, que gosta de uma cachacinha e de futebol, que fala com erros de concordância, que fala a linguagem do povo, que sabe se fazer entender pelo povão, que perdeu um dedo em um acidente de trabalho, que teve a coragem de liderar greve durante a ditadura. Esse homem colocou de vez o Brasil no mapa do mundo. Vimos então nosso país registrar os maiores aumentos na história do salário mínimo. Vimos o país registrar os menores índices de desemprego da história. Vimos o país pagar a dívida com o FMI, vimos serem inauguradas 12 novas universidades públicas e 214 novas escolas técnicas federais. Vimos o aumento da oferta do crédito. Vimos o acesso à universidade ser facilitado, bem como o acesso à inclusão digital. Vimos chefes de família que trabalhavam combatendo a dengue no Rio de Janeiro, e que foram cruelmente postos na rua pelo então ministro da saúde José Serra, demissão essa que teve como conseqüência a maior epidemia de dengue da história do estado, serem reintegrados e receberem todos os salários atrasados. Vimos o Brasil tecer novas relações comerciais no MERCOSUL, com a África do Sul, China e Índia, e com isso a crise que assolou os Estados Unidos e a Europa quase não nos afetou. Vimos os antigos monopólios privados serem desfeitos, e assim muitos serviços ficaram melhores e mais baratos, graças à concorrência. Vimos a indústria naval ser retomada, com plataformas de petróleo sendo construídas no Brasil, quando o interesse de nossas oligarquias era gerar  esses postos de trabalho em outro país. Vimos até novas estatais sendo criadas, para proteger nossas riquezas. O lucro da PetroSal será todo investido em obras sociais, isso foi tornado lei. Vimos até o presidente dos Estados Unidos dizer: “esse é o cara”.
           Vimos corrupção? Claro que sim. Mas não foi como sempre vimos antes. Até então se colocavam panos quentes sobre a corrupção, tudo era abafado, e ninguém ficava sabendo de nada. Mas no novo Brasil as coisas vieram à tona, nada ficou escondido. Gente do povo não sabe colocar panos quentes em cima.
           Ainda assim o Brasil cresceu. Saiu gente da linha da pobreza como nunca antes da história desse país, se me permitem o clichê. O Risco-Brasil, que mede o nível de confiança do mercado internacional no país, nunca foi tão baixo, tão favorável. Isso significa que o mundo passou a confiar no Brasil como um país para se investir como jamais ocorrera antes. Culpa do homem do povo. E olha que juravam que o mundo jamais confiaria nele.
           E agora nosso povo mantém sua sede por mudança. Nada de trazer de volta a águia norteamericana disfarçada de tucano. Nada de trazer de volta quem vendeu nosso país. Nada de trazer de volta quem congelou nossa economia, fazendo com que apenas especuladores e banqueiros ganhassem dinheiro. O que faz um país crescer não são os blefes das bolsas de valores, que compra e vende papéis falsos, moeda podre. O que verdadeiramente faz um país crescer é o TRABALHO! Educação e trabalho, esse é o lema!
           No esteio das revoluções, depois do homem do povo que bebe cachaça, joga uma pelada e fala errado, elegemos uma mulher. Mas também mulher do povo, mãe, avó, guerreira, que enfrentou os horrores da ditadura, que foi militante, que foi presa e torturada, e que representa essa nova tomada de consciência. O povo quis o homem do povão. Agora ele quer a mulher. Mas acima de tudo, o que o povo está dizendo é:
NAO QUEREMOS A VELHA ORDEM DE VOLTA!
Parabéns aos povo. Parabéns ao Brasil. Parabéns a todos nós.