sexta-feira, 8 de outubro de 2010

EU FICO COM A PUREZA DA RESPOSTA DAS CRIANÇAS


Jesus, porém, disse: Deixai os pequeninos, não os embaraceis de vir a mim, porque dos tais é o reino dos céus. (Mt 19:14)

Em verdade vos digo: Quem não receber o reino de Deus como uma criança de maneira nenhuma entrará nele. (Mc 10:15)

Certa ocasião estava eu em um ônibus, voltando do trabalho, quando ao meu lado senta-se um garotinho, aparentando uns 6 anos de idade, vestindo um uniforme escolar, e acompanhado de um senhor, provavelmente seu avô. O menino começou a puxar assunto comigo, curioso com a tala que minhas tendinites de estimação me obrigam a usar de vez em quando no punho direito. Em pouco mais de cinco minutos de uma conversa que mais pareceu uma entrevista, ele já sabia que meu computador não tinha nenhum jogo instalado, que eu morava com uma família grande, que não tinha filhos, e que tinha uma sobrinha de um ano chamada Maria Isabel, que já teve catapora.
A pureza e a simplicidade das crianças me fascinam. Observe-as num parque, por exemplo. Duas crianças que jamais haviam se visto antes se encontram, e começam a brincar. Minutos depois, elas já começam a se comportar como se fossem velhos amigos. Amigos “de infância”, se me permitem o trocadilho infame.
Crianças brincam, brigam, se esbofeteiam às vezes. Ficam sem se falar, prometem até ficar sem se falar pelo resto da vida! E no dia seguinte voltam a ser aqueles amigos inseparáveis de sempre. Elas  porventura param para refletir, pesam prós e contras, e no fim chegam à conclusão de que a melhor coisa a fazer é desculpar o amigo que as ofendeu? Que nada! As crianças voltam a ser amigas porque gostam umas das outras. Crianças não resolvem suas diferenças: elas simplesmente as esquecem! Esse é o verdadeiro perdão.
Adultos não perdoam de verdade. O perdão dos adultos é uma demonstração de superioridade. “Você me ofendeu, mas como eu sou muito bom, um ser superior, eu lhe perdôo”. Ou então é uma demonstração de dependência. “Você me ofendeu, mas como eu não consigo viver sem você, eu lhe perdôo”. Mas em ambos os casos é um perdão pela metade (como se isso existisse). Perdão que vive das lembranças da ofensa. Perdão que escraviza o ofensor, exigindo não só arrependimento, mas uma penitência eterna.
Um adulto ofendido jamais consegue confiar em seu ofensor como se a ofensa jamais houvesse acontecido. Não é assim com as crianças. Experimente indagar a duas crianças que brigaram no dia anterior e fizeram as pazes acerca do motivo da briga. Elas sequer serão capazes de lembrar! Podem até brigar de novo no dia seguinte, pelo mesmo motivo. Mas farão novamente as pazes, e de novo não serão capazes de lembrar o motivo por que brigaram. Crianças perdoam. Crianças esquecem.
Jesus não disse à toa que o Reino dos Céus era das crianças, e que caso nós quiséssemos acesso a esse reino teríamos de nos tornar crianças de novo, ser como elas. Quantas coisas nesse mundo podem ser mais belas do que uma criança? A igreja nos faz olhar o tempo todo para a face do Cristo crucificado, a fim de nos fazer ver nossos pecados estampados no horror daquele sofrimento, e com isso nos converter a Deus, tomados pela culpa. A própria Igreja chama isso de chegar a Deus pela via da DOR. Eu, de minha parte, prefiro olhar as coisas por outro ângulo. Poucas coisas me enchem mais de esperança do que contemplar um presépio, quando se aproxima a época das festas natalinas, e no centro dele ver o mesmo Jesus. Mas aqui se trata de um Jesus criança, deitado numa cama improvisada, na verdade uma espécie de caixa para colocar capim ou feno para os animais comerem. Um bebê, apenas um indefeso bebê, rodeado por seus pais, pelos Magos, por anjos e animais, todos presentes para agradecer a chegada do Deus-Menino. Esse é um dos quadros mais belos já imaginados, e eu chamo a sua contemplação de chegar a Deus pela via do AMOR. Como seria nossa sociedade ocidental se, ao invés de cruzes, nossos altares tivessem manjedouras?
Uma coisa me entristece: ver crianças, algumas bem pequenas, maquiando-se, usando saltos altos, penteados moicanos, brincos e piercings, até mesmo tatuagens. Meninos e meninas já sem aquele jeito inocente, sapeca, jeito de criança mesmo. São jovens ou adultos em miniatura. Estão desenvolvendo as mesmas mazelas de quem é “gente grande”, esquecendo-se de esquecer. Esquecendo-se de perdoar.
Adultos do mundo, por favor: não tiremos de nossas crianças o direito delas serem elas mesmas. Não as transformemos em monstrinhos, adultos miniaturizados, espelhos de nós mesmos. Porque elas só irão refletir o que temos de pior. Façamos exatamente o oposto. Resgatemos a pureza de nossos pequeninos. Melhor ainda: tentemos nós mesmos nos inspirar no exemplo deles, imitemo-los. Jesus estava certo: o mundo seria muito melhor se ao invés de tentarmos fazer as crianças serem como nós, nós tentássemos ser como elas.