terça-feira, 5 de outubro de 2010

Eu te detesto e amo Morte, Morte, Morte que talvez seja o segredo dessa Vida - Raul Seixas



Quem não se torna sábio ouvindo o que a Morte tem a dizer está condenado a ser tolo a vida inteira. (Rubem Alves)

Encontrei essa citação num texto de um pastor protestante extremamente progressista, com uma visão muito apurada da verdadeira essência do evangelho pregado por Cristo. O texto desse pastor nos faz refletir sobre que tipo de palavras nós gostaríamos que fossem escritas em nosso epitáfio, ou seja, o que poderia ser dito acerca de nossa vida, quando ela chegasse ao fim. Comecei a refletir sobre o momento da passagem quando o vi ser apresentado a mim em forma de poesia. Eu ouvia uma canção intitulada “The Last Assembly”, da banda inglesa de rock The Kinks. Segue uma tradução livre feita por mim:

A ÚLTIMA ASSEMBLEIA

Quando caminhei para a última assembléia
Havia lágrimas no fundo de meus olhos
E eu vi todos os meus amigos ao meu redor
Eles estavam lá para me dizer até-logo

Quando fiquei em linha com meus camaradas
Tive até um sentimento de orgulho
E esqueci todo o sofrimento e ódio que havia em mim
Quando cantamos pela última vez

Aproximemo-nos, todos nós, aproximemo-nos
Venha e aprecie nossa última assembléia
Vamos sorrir, limpar toda severidade de nossos olhos

Aproximemo-nos, todos nós, aproximemo-nos
Quando nos reunimos na última assembléia
Todos os meus amigos vieram me dizer até-logo

Aproximemo-nos, todos nós, aproximemo-nos
Quando entrei em minha última assembléia
Simplesmente não pude conter as lágrimas

Assim eu gostaria que fosse minha passagem. Uma reunião de amigos para celebrar. Não a morte, esse monstro inexorável do qual só a fé é capaz de nos tirar o medo. Queria que esse momento fosse uma celebração da vida.
Mas que tipo de palavras eu gostaria, se possível fosse, de ver escrito em meu epitáfio? Álvares de Azevedo, um dos maiores poetas da língua portuguesa de todos os tempos, em um de seus poemas pediu para que fosse escrito em seu epitáfio: “foi poeta, sonhou e amou na vida”. Sábias palavras. Sejamos poetas, ainda que não haja ninguém para apreciar nossa poesia. E sejamos poetas não apenas em palavras, mas em olhares, gestos, atitudes... Nada é mais poético do que um sorriso, nada tem mais poesia do que um gesto de solidariedade, um afago de amor. Sonhemos também. Importa-nos urgentemente transformar a realidade, mas toda transformação começa com um sonho. Mesmo que um mundo melhor ainda não exista de fato, ele já existe no coração daqueles que ousam sonhar. E amemos também, ainda que não sejamos amados. O Amor é bom por si só, independente do retorno que ele possa proporcionar. Deus nos criou e nos mantém por um único motivo: ele nos ama. Ainda que nós não O amemos, Ele nos ama.
Mas afinal, o que eu gostaria realmente que fosse escrito em meu epitáfio? Nos “epitáfios de carne”, ou seja, nos corações de meus entes queridos, gostaria de ver escrita toda a poesia que meus atos terão escrito,  ainda que ela não venha a ser contemplada por nenhum olhar além do olhar divino. Gostaria de ver escritos também todos os sonhos que terei sonhado, inclusive aqueles que não forem capazes de transformar coisa alguma, mas que terão sido sonhados com essa intenção. E por fim, que se escrevam todos os amores com os quais terei amado, mesmo aqueles que não forem correspondidos.
Mas e na lápide de pedra a enfeitar a fortaleza que irá dificultar que meu corpo seja devolvido à terra de onde ele foi tomado? Ali basta escrever uma única palavra: FUI.

Nenhum comentário: