sexta-feira, 5 de novembro de 2010

DEUS, O ATEU E O ARQUIVERSO



         
Dentre as muitas críticas feitas pelos ateus à religiosidade, uma delas merece, em minha opinião, ser levada muito a sério. Os homens, dizem eles, criam deuses à sua própria imagem e semelhança.
Existe no ser humano uma aversão natural, atávica mesmo, à ignorância. Nas crianças, esse sentimento é facilmente observável. Quando fazem uma pergunta, as crianças não aceitam ficar sem resposta. Basta responder a qualquer pergunta feita por uma criança com um “não sei”, ou algo parecido, e ela mesma tratará de responder, ainda que para isso tenha que inventar a reposta. E curiosamente, mesmo a reposta inventada da criança a faz se dar por satisfeita. A criança crê em sua própria invenção.
 Ateus e agnósticos fazem coro em concordância com a idéia expressa acima, e vão mais além. Para ambos, essa dificuldade em aceitar ficar sem resposta não é exclusividade do mundo infantil. Adultos também inventam respostas para suas angústias, e crêem nelas. Crêem ao ponto de serem capazes de matar e morrer por elas. Os mais variados fundamentalismos são provas indiscutíveis desse fato.
 Diante do absurdo da vida, tão bem retratado pelos filósofos existencialistas, diante da falta de sentido para o mundo, e da inevitabilidade da morte, dizem os ateus e agnósticos que o homem inventa deuses, paraísos, vidas eternas, e com isso cria a religião. Tudo para dar conta da falta de resposta para as perguntas essenciais da metafísica: “quem somos?”, “de onde viemos?”, “para onde vamos?”, “por que existimos?”, entre outras. A vida e a morte, esses dois pontos de interrogação desafiadores, dos quais não somos capazes de dizer coisa alguma de forma segura, ganham então os mais variados contornos, diferentes formas para o mesmo conteúdo. Para a maior parte do pensamento religioso, há um ser todo-poderoso. Este ser criou o universo e o homem, e vai presenteá-lo com uma vida eterna de felicidade. Para isso o homem precisa tão somente seguir as regras criadas por esse ser. E normalmente essas regras são impostas por pessoas tidas como representantes desse ser na Terra. Nesse ponto o ateu brada: esse ente, chamado Deus pelos crentes, não passa de uma projeção dos anseios mais íntimos do homem, e no fim só serve para legitimar ações de poder. O agnóstico apenas sorri: para ele essas são questões para as quais simplesmente não existem soluções. Ele parece ser o único tipo de gente capaz de conviver com a ausência de respostas. Ou pelo menos tenta.
Soberbos por definição, ateus e agnósticos consideram toda forma de religiosidade uma mera superstição, resquícios de pulsões infantis, coisa de homem primitivo, ignorante (está aí Freud, que não me deixa mentir). O homem moderno já deveria ter superado isso há muito tempo. Afinal, tudo no universo pode hoje ser explicado em termos de relações naturais de causa e efeito, graças à maravilhosa ciência. A meta é fazer o conhecimento científico substituir de uma vez a obsoleta e nociva religião, e assim poderíamos inaugurar o paraíso na Terra mesmo. Para quê esperar o céu, afinal?
Mas a ciência não descreve o mundo exatamente como ele é; apenas produz modelos de compreensão do funcionamento do universo. Esses modelos teóricos são sempre indiretos, obtidos a partir de métodos matemáticos e de instrumentos de medição. Explicam a natureza por analogia. Uma teoria científica é aceita quando seus cálculos prevêem um resultado idêntico ao observado na natureza, ou pelo menos suficientemente parecidos, a ponto de podermos desprezar as diferenças. Mas isso não prova que a natureza opera segundo as mesmas regras. Pode ser apenas uma questão de coincidência. E mais importante: a ciência descreve como o mundo funciona, mas não se indaga POR QUE o mundo existe. Não há questionamento sobre a finalidade da criação. O cientista se contenta em dizer que o universo é fruto de um mero acaso, apenas pelo fato de não ser possível comprovar cientificamente o contrário. Mas isso também não seria uma resposta inventada para a angústia de uma pergunta não respondida? Não seria a ciência uma religião, tendo esse tal de “ACASO” como Deus?
Para o cientista, todo evento que ocorre no universo é decorrente de uma causa anterior, e essa causa é efeito de uma outra mais anterior ainda, e assim sucessivamente, até chegarmos ao instante da criação do universo. Aí surge o problema: se o universo foi criado em dado momento, e se todo evento é efeito de uma causa anterior, então o universo precisa de uma causa exterior a si mesmo para poder vir à existência. Para a própria ciência, a massa que hoje compõe o universo estava toda aglutinada em um único ponto, e permaneceria assim, não fosse algo perturbar seu equilíbrio e fazer tudo explodir. Teoria famosa, conhecida como o Big Bang (a Grande Explosão). Mas o que quer que tenha perturbado o equilíbrio da matéria e provocado a explosão, também é efeito de uma causa anterior, sua causa também o é, e assim ficaríamos condenados a sempre voltar um pouco mais, de causa em causa, sem jamais chegar ao fim (na verdade ao começo, à causa que não teve causa). A não ser que admitamos que algo fora do universo, sem uma causa natural, tenha iniciado o processo. A ciência chama isso de Singularidade, e Einstein não hesitou em chamar de Deus.
Para se livrar do incômodo da singularidade, o obstinado cientista, aplaudido de pé pelo ateu e pelo agnóstico, criou uma teoria bizarra, no melhor estilo “sci-fi”: não haveria apenas um, mas muitos universos, multiversos convivendo lado a lado, todos diferentes versões da mesma matriz, réplicas de nosso universo com algumas modificações. Inclusive, existiriam vários “eus”, um em cada um desses universos, e em alguns eu poderia até mesmo nem existir. Nesse universo, por exemplo, sou autor de blog, mas em outro posso ser soldado nazista, em outro stripper de boate inferninho, naquele outro uma tartaruga ninja, enfim, posso ser tudo, ou pelo menos posso ser tantas coisas quantos universos existirem. Esses caras não estão lendo quadrinhos da Marvel e DC Comics demais?
Contudo, o próprio cientista afirma ser impossível provar a teoria do multiverso. Ela seria um modelo teórico, o mais aceito pela atual astrofísica, apenas por conseguir prescindir de qualquer singularidade. Traduzindo, a teoria do multiverso é tão cientificamente improvável (no sentido de não poder ser provada pelo método científico) quanto qualquer religião. Mas ela é aceita apenas por permitir ao cientista excluir a hipótese de Deus.
Na verdade, toda essa verborrágica não passa de um jogo semântico. A ciência antes definia o universo como a totalidade do mundo material, e hoje ela o define como apenas uma parte dessa totalidade. Todavia, nós podemos pensar em todos os multiversos juntos como uma totalidade ainda maior, e dar um nome para isso. Sugiro “ARQUIVERSO”. E aí trazemos de volta o velho problema da singularidade. Que causa externa ao arquiverso provocou sua criação? E se a ciência disser que existem muitos arquiversos, podemos simplesmente repetir a operação. Precisaremos apenas de um nome novo.
O método científico tem seus limites, e a ciência, desde o surgimento da Física Quântica, parece já estar à beira de atingi-los, como bem frisou o famoso astrofísico Fritjof Kapra, autor de best-sellers como “O Tao da Física” e “O Ponto de Mutação”. Não é honesto um cientista proclamar válida uma teoria que ele mesmo admite não ser capaz provar cientificamente, apenas pelo fato dela lhe permitir jogar Deus para escanteio. A crença em Deus nunca foi empecilho para a ciência, muito embora as religiões organizadas o sejam por diversos momentos. Mas crer em Deus e ter uma religião não são a mesma coisa.
Se por deus entendemos entes que adoramos, aos quais servimos, e nos quais cremos de forma cega, existe uma miríade de deuses passeando pelo mundo. Pode ser o poder, ou o dinheiro, o sexo, a pessoa amada, a igreja ou outra instituição, e assim vai. Até a ciência possui a sua própria divindade, e ela se chama ACASO, como demonstramos em linhas anteriores. Mas entender DEUS como o princípio pelo qual todas as coisas vieram à existência é uma necessidade. No primeiro capítulo da Epístola aos Romanos, versículo 20, Paulo, falando dos gentios, que não conheciam o Deus judaico, afirma: “Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis”. Para Paulo, a criação era a prova mais contundente da existência do Criador, e mesmo os gentios deveriam ser capazes de reconhecer esse fato.
Não é possível provar a existência de Deus pelo método científico, mesmo porque a ciência trabalha fazendo recortes do universo; se não agisse assim ela sequer poderia definir seus objetos de estudo. Nenhum recorte finito é capaz de conter o infinito, e Deus é infinito por definição. A ciência não é capaz de estudar Deus por seu método, não prova que ele existe, mas também jamais provará o contrário.
Vejo Deus como Paulo, estampado na criação, nessa maravilha que é o universo. Não consigo ver toda essa complexidade como simples fruto de um acaso cego. Como dizia o importante psicólogo C. G. Jung, “eu não acredito em Deus, eu SEI”. Todos os sistemas de crença de todas as religiões são meras conjecturas, e eu mesmo admito ser cristão por um ato claro de fé. Reconheço a presença de Deus em todo coração sincero, independente de sua religião. Vejo Deus até mesmo no cientista adorador do Acaso. E sequer me dou ao trabalho de tentar demonstrar a superioridade do cristianismo, e apenas prego a Cristo.
Todas as religiões, mesmo o cristianismo que eu professo, são hipóteses. Deus é um fato.