quinta-feira, 7 de abril de 2011

PURO DESABAFO!!!

Voa, coração
Que ele não deve demorar
E tanta coisa a mais quero lhe oferecer
O brilho da paixão, pede a uma estrela pra emprestar
E traga junto a fé num novo amanhecer
Convida as luas cheia, minguante e crescente
E de onde se planta a paz,
Da paz quero a raiz

(da canção “Ao Que Vai Chegar”, de Toquinho e Mutinho)


            Mais uma vez eu tinha um texto filosófico pronto para postar no blog, e mais uma vez me senti na obrigação de adiar sua publicação para comentar um acontecimento lamentável ocorrido em nossa sociedade.
            Um ex-aluno de uma escola municipal do Rio de Janeiro passa com toda tranquilidade pelos portões de sua antiga escola, armado de dois revólveres e de farta munição. Uns afirmam que ele alegou ter ido lá buscar alguns documentos de seus tempos de aluno, outros que ele seria um palestrante. Nesse momento já notamos informações desencontradas, e breve as lendas se misturarão aos fatos verdadeiros, a estória irá povoar os jornais por algum tempo, talvez se torne filme, livro ou documentário no futuro, mas ao fim cairá no esquecimento, substituído pelos carnavais, Big-Brothers, novelas e Copas do Mundo da vida.
            Mas o fato é que esse ex-aluno entrou em uma sala de aula e começou a atirar contra os alunos, todos crianças, matando treze e ferindo outros vinte e tantos, alguns internados em estado grave, no momento em que escrevo essas linhas. Quase todos os tiros atingiram a cabeça ou o tórax das vítimas, dando a forte impressão de que o facínora sabia como manejar uma arma de fogo. Por diversas vezes, ele recarregou as armas. Por fim, com um tiro em sua própria cabeça, ele se matou.
            Uma carta foi escrita por ele, supostamente justificando o gesto insano. Segundo um oficial do Corpo de Bombeiros, o conteúdo da carta é extremamente confuso. Mais uma vez as lendas surgem por atacado: ele seria esquizofrênico, teria envolvimento com grupos fundamentalistas islâmicos, seria portador de HIV... e assim surge uma nova lenda urbana, e o que resta de fato é tão somente que diversas crianças tiveram suas vidas grotescamente ceifadas, e outras carregarão para o resto da vida um trauma que elas jamais irão esquecer.
            Não quero de modo algum fazer poesia sobre essa brutalidade, embora eu reconheça que as crianças vitimadas por essa insanidade mereçam ser homenageadas com poemas e canções de uma beleza que eu jamais poderia compor. E também não quero tentar nenhuma reflexão filosófica sobre o ocorrido, meu estômago revolvido de indignação e preplexidade não me permite. Quero apenas dizer que essas atrocidades são fruto de uma sociedade doente, uma sociedade que perdeu totalmente seus valores, se é que algum dia ela teve algum. Vou deixar você, meu amado leitor, com a revolta que deixei exposta através dos posts que fiz em um site de rede social, comentando um post de uma amiga:

            Uma sociedade que diz o quanto você vale pela quantidade de dinheiro que você tem, mesmo que seja dinheiro sujo, uma sociedade que diz que temos que competir sempre, sermos sempre os melhores, senão não somos nada na vida, ainda que para isso tenhamos que passar por cima dos outros..., uma sociedade que chama desonestidade de "esperteza", que chama compaixão de "fraqueza", uma sociedade que te diz que você é tão mais feliz quanto mais estiver imerso em bens de consumo..., uma sociedade que chama traficantes, políticos corruptos, bicheiros, entre outros, de "doutores", apenas por eles terem poder político e/ou econômico, enquanto dizem dos educadores: "você tem certeza de que quer ser apenas professor?" Como assim ser “apenas” professor? A mais bela de todas as profissões hoje é tratada assim? Uma sociedade em que as empresas se acham melhores porque lucram mais, e não porque seus produtos são bons, que se ufanam de acumular fortunas vendendo porcarias, essa sociedade não pode produzir nada melhor do que isso. Como diz uma canção de Gilberto Gil: "das feridas que a pobreza cria, sou o pus". Nossa sociedade está ferida, infeccionada. De vez em quando suas chagas se rompem, e o resultado é esse aí.
            Nós olhamos para quem comete essas atrocidades e pensamos: "esse cara é um monstro, é um doente", e muitas vezes não nos damos conta de que ele é a ponta de lança de toda uma sociedade que está doente. E não percebemos que nós também estamos um pouco doentes, porque nós fazemos parte dessa sociedade. É fácil demonizar um desvairado cuja atitude extrema vitimiza um monte de pessoas inocentes, mas cuja atitude é tão somente o clímax, o ponto alto, o espasmo, delírio ou vômito de uma sociedade que não suporta mais ser como é. Mas esse gesto insano só nos faz vermos isso com mais clareza, só faz deflagrar a situação de miséria, de falta de humanidade, em que vivemos. E infelizmente, quase sempre precisamos da existência de mártires para começarmos a refletir sobre isso. Nada trará as crianças vitimadas de volta. A perda é irreversível.

            Perdoem-me se por um momento estou abandonando minha linha de “filósofo da compaixão”, mas prefiro tentar evitar que minha revolta me faça sair por aí em desespero, à procura de culpados. Essas palavras não vieram de uma mente filosófica, do coração de um poeta, ou mesmo da alma de um crente em Deus. Elas vieram das entranhas de um ser humano que já não suporta mais ver tanta coisa acontecer diante dos olhos estupefatos do mundo. Peço a Deus para que qualquer acontecimento desse tipo continue provocando em mim mal-estares cada vez piores. Peço a Deus para que eu jamais me acostume com uma situação dessas. Se essas coisas pararem de me causar indignação, elas terão conseguido ceifar de mim a minha humanidade. Terão me transformado num monstro. Um monstro tão vil quanto este que, infelizmente, ganhou todas as manchetes dos jornais.