quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

MAIS UMA DESGRAÇA ANUNCIADA! ATE QUANDO, MEU DEUS?


          Não é nossa culpa, nascemos já com a bênção
          Mas isso não é desculpa pela má distribuição
          Com tanta riqueza por aí onde é que está
          Cadê sua fração?
          Até quando esperar a plebe se ajoelhar
          Esperando a ajuda de Deus?
          (da canção "Até Quando Esperar?", gravada pelo grupo Plebe Rude)
   
          Eu já tinha um texto pronto para publicar essa semana no blog, mas as últimas tragédias ocorridas na Região Serrana do Rio de Janeiro, onde as chuvas provocaram enchentes e deslizamentos de terra, causando a morte de centenas de pessoas, me obrigaram a adiar a publicação desse texto. Não há como não falar desses últimos acontecimentos. E infelizmente, no momento em que escrevo essas linhas, outras tragédias ainda podem acontecer, há previsão de mais chuvas, e o número de mortos deve aumentar, à medida em que os corpos sejam localizados.
Centenas de pessoas tiveram suas vidas tragicamente interrompidas, e os sobreviventes precisarão reconstruir suas existências, com quase nenhuma ferramenta para isso. Além de terem de recuperar todos os bens perdidos, essas pessoas terão que aprender a viver sem seus entes queridos, tirados deles da forma mais abrupta possível. E ao contrário dos bens materiais, as pessoas não podem ser substituídas, só a lembrança vai sobreviver, nos corações daqueles que ficaram. Uma mulher concedeu uma entrevista para um canal de televisão: ela tinha perdido nada menos do que QUINZE pessoas de sua família. Nem eu, nem você, meu leitor, nem ninguém tem como descrever essa dor: só quem sente isso na pele pode ter uma noção de como é.
Tenho uma afeição especial por um dos municípios atingidos. Além de ter parentes nascidos lá, Nova Friburgo é para mim um dos melhores lugares para se viver, e um dos melhores destinos para quem deseja viajar. A natureza mostra lá toda sua grandiosidade: cachoeiras, trilhas, picos, fauna e flora exuberantes, e um clima extremamente agradável, o típico friozinho de serra. Fundada por colonos suíços, mas com a presença de diversas outras etnias (alemães, espanhóis, húngaros, japoneses, entre outros), Nova Friburgo celebra suas tradições múltiplas, com festivais culturais e gastronômicos que se estendem ao longo de quase todo o ano. Amo a cidade como se fosse uma segunda casa minha. Inclusive um de meus sonhos é, após me aposentar, terminar meus dias morando lá. E me dói ver as fotos da tragédia. Como disse um amigo meu, cuja família ainda reside no município: “é como se a cidade que tanto amamos simplesmente tivesse deixado de existir!” Os outros municípios atingidos têm também seus encantos próprios.
No meio da consternação pelas perdas, especialmente as perdas humanas, em meio ao sentimento de compaixão e solidariedade pelos sobreviventes, cujos vazios deixados por seus entes queridos mortos jamais será preenchido, não pode deixar de surgir uma revolta. Não contra as chuvas, a natureza, ou contra o divino, mas contra os verdadeiros responsáveis por acontecimentos desse tipo. Nossos governantes, ocupados com seus interesses pessoais, cuja natureza nem me atrevo a supor, assistiram de braços cruzados, ao longo dos anos, a ocupação e o crescimento desordenado das suas cidades. Sem perspectivas de emprego no interior, muitas pessoas buscam moradia perto dos centros das cidades, e não raras vezes, não têm outra opção senão ocupar áreas de risco. Esse é um processo que vem se arrastando ao longo da história, e de modo algum começou ontem. Quase sempre as pessoas sabem dos riscos, mas não há alternativa: muitas vezes é isso ou passar fome. Não podemos culpá-las.
Em 2010, duas tragédias semelhantes aconteceram no Estado do Rio de Janeiro, uma delas no município de Angra dos Reis, e outra que atingiu a Capital e a Região Metropolitana do estado. Pelos mesmos motivos. E já naquela época, muito se falou na possibilidade de uma tragédia parecida na Região Serrana, cujas características geográficas, somadas à ocupação e crescimento desordenados, ocorridos com a total conivência histórica de seus governantes, a tornam particularmente vulnerável. Desgraça anunciada, desgraça concretizada. O número oficial de mortos na Região Serrana já supera a soma dos dois acontecimentos de 2010, e esse número, por razões já citadas acima, infelizmente ainda deve aumentar.
O espetáculo circense que vemos na imprensa é ao mesmo tempo deprimente e revoltante. Autoridades políticas das esferas estadual e federal culpam as autoridades municipais pelas tragédias mais do que anunciadas, por serem elas as que estão mais próximas, e com isso terem mais condições de fiscalizar as ocupações. As autoridades municipais, por seu turno, acusam as autoridades de esferas superiores de descaso total, de jamais darem o devido apoio e atenção a um problema que o poder público municipal não tem como resolver sozinho. Eles sequer percebem que muitos dos que estão em uma das esferas hoje, estavam em outras tempos atrás,  e só estão preocupados em fazer da desgraça do povo, já tão sofrido por si só, uma passarela onde podem desfilar suas politicagens. Construir ou fortalecer seus nomes à custa de mortes, de dores, de perdas materiais, de gente que não tinha nada e mesmo assim perdeu todo o pouco que tinha, é tudo o que os facínoras que nos governam querem. Vampiros, embriagando-se do sangue de inocentes.
Do outro lado da moeda, e felizmente sempre temos outro lado da moeda, vemos a população, o cidadão de bem, solidarizar-se com os sobreviventes. E mais uma vez uma enxurrada de donativos vai ser encaminhada aos necessitados, vencendo os obstáculos de pessoas inescrupulosas que desviam para si as melhores doações, e das autoridades que tentam se promover, como se as doações tivessem partido deles próprios. Nojento, mas real.
A compaixão é um dos valores que mais defendo em meus textos. Quando ocorreram as tragédias na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, vi amigos meus serem vitimados, e a todo momento eu pensava que poderia ter sido comigo. Foram apenas contingências do destino que me fizeram morar em uma área onde não existe esse risco. Da mesma forma me sinto com relação aos moradores da Região Serrana. Por isso peço: todos aqueles que puderem ajudar, façam, e façam segundo suas próprias possibilidades. Afinal, como dizia o grande e saudosíssimo Herbert de Souza, o Betinho, “quem tem fome tem pressa”. Mas essa não é a única razão para sermos solidários. Não podemos esquecer de que não se trata somente de satisfazer necessidades materiais. Os donativos vindos de pessoas comuns faz as vítimas perceberem que alguém se importa com eles. E isso é com certeza uma das poucas coisas que podem lhes trazer algum tipo de consolo.
Ajudemos com todas as nossas forças. Façamos tudo o que estiver ao nosso alcance. Isso é compaixão. Isso é cristão. Isso vem de Deus. Mas não fiquemos nisso! Vamos cobrar de nossas autoridades por políticas públicas que tragam a solução definitiva para esse e para outros problemas que nos afligem. Lembremos: amanhã as vítimas podem ser nós mesmos, ou as pessoas que amamos. Isso também é compaixão, além de ser justiça. Isso também é cristão. Isso também vem de Deus.