terça-feira, 5 de outubro de 2010

Vamos falar de Crise?


Crise... etimologicamente significa separação, escolha, momento de discernir... a vida é um caleidoscópio de possibilidades, que juntas formam uma imagem tão caótica quanto fascinante... e quando giramos esse caleidoscópio formamos imagens novas, novas árvores de alternativas, florescendo nesse imenso bosque encantado que chamamos de “mundo”.
Há um perigo na crise... o de nos deixarmos dominar pelo fascínio dessa imagem, de nos determos na contemplação das mais variadas formas que nosso caleidoscópio existencial assume perante nossos olhos, e assim não sairmos do lugar... seríamos tal qual o guerreiro petrificado diante da beleza de uma Górgona que no fundo, no fundo, foi ele mesmo quem criou.
De modo algum! Precisamos desfazer nosso caleidoscópio, por mais belo que ele possa parecer... precisamos fazer escolhas, tomar decisões, como a Dorothy e seu fiel Totó na saga de Oz... ainda que todos os caminhos possíveis pareçam ser a mesma estrada de pedras amarelas.
Toda escolha implica em perdas... cada vez que optamos por um determinado caminho, forçosamente estamos abdicando de todas as outras alternativas possíveis para aquele momento, em favor de uma única escolha... e mesmo que mudemos de idéia e voltemos atrás, para começar a trilhar um outro caminho possível, o tempo já não será o mesmo... aquele outro caminho, naquele tempo, já não mais nos é acessível, ainda que o Einstein pintado num quadro em minha parede pareça estar dizendo que não é bem assim.
E o mais fantástico é descobrir no final nas contas que essa escolha vai sempre acontecer, e não tem a menor importância o nível de consciência que temos delas... as escolhas se fazem por si mesmas, enquanto nós temos a ilusão de que nos fazemos a nós mesmos nesse processo. E só quando conseguimos alcançar um patamar onde podemos fazer nossas escolhas sem que sejamos seguidos pelo fantasma da dúvida do que seria de nós caso escolhêssemos quaisquer dos outros caminhos, teremos força ética e filosófica para dizer que atingimos a sabedoria... espero um dia chegar ao topo dessa montanha.
Faço hoje essa viagem pedindo a graça e a iluminação de Deus. Até porque Ele em não raros momentos será a minha única companhia.

Liberdade



Descobri que voltei a ser LIVRE. A liberdade é o dom mais precioso do homem, tão precioso que Deus nos criou, mas fez questão de nos garantir a liberdade até para não acreditarmos Nele.

Liberdade não pode ser confundida com licenciosidade. Não significa fazermos o que queremos quando queremos. Até porque nossa vontade muitas vezes não nos pertence, somos escravos dela. Liberdade é poder fazer, mas é também poder não fazer.

Eu perdi todas as coisas que tinha em nome de minha liberdade. Que nada, eu nunca tive coisa alguma! As coisas que achava que tinha é que tinham a mim, me tiranizavam, me escravizavam, sugavam meu sangue e minha paz.

Jesus desafiou o jovem rico a vender tudo o que possuía, dar o dinheiro aos pobres e segui-Lo. O jovem foi-se triste, mas não porque ele achasse errado cumprir o desafio do Mestre. Na verdade, ele sabia não ser capaz de se livrar de suas riquezas não porque não achasse isso certo, mas porque sabia que não conseguiria. Ele era escravo do ouro que acumulou.

Liberdade verdadeira só existe assim, quando nos vemos capazes de abdicar de tudo que somos, de nossas posses, de nossos nomes, status sociais, mesmo de nossa identidade, e ainda assim continuarmos a sermos nós mesmos.

Quase todas as pessoas abdicam de sua liberdade a fim de evitar sofrimentos. Tolice das Tolices. Nada é mais sofrido do que trair-se a si mesmo, a fim de evitar dores. Acaba doendo mais ainda.

Há quem doe sua liberdade em nome de não morrer na solidão. Mas convenhamos: o que é pior, diante da Eternidade? Morrer sozinho, ou perceber no fim da vida que vivemos toda nossa existência presos, acorrentados a situações que não queremos, apenas por medo de ficarmos sozinhos? Não, eu não tenho medo da solidão. Antes ela do que passar a vida algemado ao lado de coisas que sei que não quero, mas das quais não consigo me desvencilhar.

Essa é minha estrada. Pode ser louca, diferente, pode ser considerada reprovável por aquelas pessoas que acham que ficar presos a sempre buscar status, situação econômica, convenções sociais e aceitação das pessoas é o máximo de felicidade que se pode atingir. Minha estrada pode ser solitária. O será por não raras vezes. Mas é uma estrada LIVRE.

E SÓ NA LIBERDADE PODEMOS APRECIAR A VERDADEIRA BELEZA DA VIDA!

Eu te detesto e amo Morte, Morte, Morte que talvez seja o segredo dessa Vida - Raul Seixas



Quem não se torna sábio ouvindo o que a Morte tem a dizer está condenado a ser tolo a vida inteira. (Rubem Alves)

Encontrei essa citação num texto de um pastor protestante extremamente progressista, com uma visão muito apurada da verdadeira essência do evangelho pregado por Cristo. O texto desse pastor nos faz refletir sobre que tipo de palavras nós gostaríamos que fossem escritas em nosso epitáfio, ou seja, o que poderia ser dito acerca de nossa vida, quando ela chegasse ao fim. Comecei a refletir sobre o momento da passagem quando o vi ser apresentado a mim em forma de poesia. Eu ouvia uma canção intitulada “The Last Assembly”, da banda inglesa de rock The Kinks. Segue uma tradução livre feita por mim:

A ÚLTIMA ASSEMBLEIA

Quando caminhei para a última assembléia
Havia lágrimas no fundo de meus olhos
E eu vi todos os meus amigos ao meu redor
Eles estavam lá para me dizer até-logo

Quando fiquei em linha com meus camaradas
Tive até um sentimento de orgulho
E esqueci todo o sofrimento e ódio que havia em mim
Quando cantamos pela última vez

Aproximemo-nos, todos nós, aproximemo-nos
Venha e aprecie nossa última assembléia
Vamos sorrir, limpar toda severidade de nossos olhos

Aproximemo-nos, todos nós, aproximemo-nos
Quando nos reunimos na última assembléia
Todos os meus amigos vieram me dizer até-logo

Aproximemo-nos, todos nós, aproximemo-nos
Quando entrei em minha última assembléia
Simplesmente não pude conter as lágrimas

Assim eu gostaria que fosse minha passagem. Uma reunião de amigos para celebrar. Não a morte, esse monstro inexorável do qual só a fé é capaz de nos tirar o medo. Queria que esse momento fosse uma celebração da vida.
Mas que tipo de palavras eu gostaria, se possível fosse, de ver escrito em meu epitáfio? Álvares de Azevedo, um dos maiores poetas da língua portuguesa de todos os tempos, em um de seus poemas pediu para que fosse escrito em seu epitáfio: “foi poeta, sonhou e amou na vida”. Sábias palavras. Sejamos poetas, ainda que não haja ninguém para apreciar nossa poesia. E sejamos poetas não apenas em palavras, mas em olhares, gestos, atitudes... Nada é mais poético do que um sorriso, nada tem mais poesia do que um gesto de solidariedade, um afago de amor. Sonhemos também. Importa-nos urgentemente transformar a realidade, mas toda transformação começa com um sonho. Mesmo que um mundo melhor ainda não exista de fato, ele já existe no coração daqueles que ousam sonhar. E amemos também, ainda que não sejamos amados. O Amor é bom por si só, independente do retorno que ele possa proporcionar. Deus nos criou e nos mantém por um único motivo: ele nos ama. Ainda que nós não O amemos, Ele nos ama.
Mas afinal, o que eu gostaria realmente que fosse escrito em meu epitáfio? Nos “epitáfios de carne”, ou seja, nos corações de meus entes queridos, gostaria de ver escrita toda a poesia que meus atos terão escrito,  ainda que ela não venha a ser contemplada por nenhum olhar além do olhar divino. Gostaria de ver escritos também todos os sonhos que terei sonhado, inclusive aqueles que não forem capazes de transformar coisa alguma, mas que terão sido sonhados com essa intenção. E por fim, que se escrevam todos os amores com os quais terei amado, mesmo aqueles que não forem correspondidos.
Mas e na lápide de pedra a enfeitar a fortaleza que irá dificultar que meu corpo seja devolvido à terra de onde ele foi tomado? Ali basta escrever uma única palavra: FUI.

Um pouco de poesia




Soneto Dodecassílado para Quem Voltou a Ser Feliz

Quem dera fosse contemplar de vez a luz
Cuja quimera faz rever uma alegria
Lembrar de um tempo em que apenas se sorria
Olhar para trás e não mais ver a antiga cruz

Seria mais que apenas divinal encanto
A aquarela que outrora coloria
A luz suave do raiar de um novo dia
Que seca o orvalho como seca esse meu pranto

Então o riso cura as dores desse canto
Inaugurando a mais singela melodia
Em sinfonia que se finda em acalanto

A maestria a que a certeza me conduz
Faz-me querer gritar ao ver o fim do dia
Dizendo o quão bom é enfim rever a luz

Pré-conceitos




De todas as pessoas que conheço, a mais sábia é o meu alfaiate: toda vez que eu vou nele, ele toma as minhas medidas, ao passo que os outros tomam minhas medidas uma única vez, e acham que seu julgamento é sempre do meu tamanho. Essa frase pertence a Millôr Fernandes, uma das mentes mais brilhantes que nosso país já viu.

Impressionante como as pessoas são capazes de se fechar na primeira explicação que encontram, sem sequer se dar ao trabalho de perguntar “por quê?”. Tudo bem que muita gente precisa disso, acreditar em uma mentira autoinventada, apenas porque ela é menos dolorosa do que a verdade.

Sempre fui vítima disso. Perdi a conta das vezes em que fui julgado de forma absurda por gente que sequer se deu ao trabalho de conferir. Mas sei que não será o número de adeptos de minha crença o que vai torná-la verdadeira. Quem vier até mim e me perguntar o porquê de eu fazer o que faço, terei prazer em lhe dar satisfações. Quem preferir seus julgamentos previamente estabelecidos, ou suas ilusões autoinventadas, mas que doem menos, tem todo o direito.

Esse foi o primeiro texto que escrevi após minha separação.

Minha alma é um Templo em ruínas, que oculta, por entre seus escombros, tesouros inimagináveis, e perigos impensáveis...
Por entre os escombros caminho eu... EGO fragmentado em dezenas de possibilidades, podendo ser tudo e nada ao mesmo tempo, tensão de opostos que lutam entre si o tempo todo... uma explosão, um Big-Bang anímico ou onírico, cuja força produz um universo complexo e inexplorado, que por questão de sobrevivência teimo em chamar de EU...
Houve tempo em que a palavra EU fazia algum sentido. Casa, família, trabalho, amigos, estudos, tudo isso formava um conjunto de qualidades, um bloco, uma construção, que se julgava monolítica, integrada, indestrutível... Mas que tolice! A única coisa indestrutível no mundo é justamente a “destrutibilidade” de todas as coisas! Hoje sei que sou apenas como um rio: embora quem me olhe todos os dias tenha a impressão de estar vendo algo familiar, o mesmo rio de ontem e de todos os dias, minhas águas nunca são as mesmas. Pena que isso quase sempre passe despercebido aos olhos do mundo.
Caminho por entre as ruínas desse Templo em busca de um tesouro... Não busco um tesouro qualquer, feito de ouro, prata ou pedras preciosas, mesmo porque eles se corroem com o tempo, enferrujam e perdem o brilho... Procuro por um objeto simples, tão simples quanto extraordinário: um espelho. Mas também não se trata de um espelho comum; procuro um espelho mágico, capaz de refletir não os traços e as marcas da idade de um rosto, mas os contornos, desenhos e rugas de uma alma, talvez já cansada de vagar pelo Cosmo pelos eons de tempo.
Mesmo sendo a mais tola das pretensões, resiste, numa obstinação tão louvável quanto inútil, uma esperança (ela não é só a última que morre: normalmente é também a primeira que renasce). Trata-se da esperança de que serei capaz de reconhecer a imagem que verei refletida nesse espelhinho mágico.
 A Esperança é um ser curioso. Aparece como uma espécie de mistura de fada-madrinha e súcubo, e não sei com qual dessas duas faces ela sussurra em meus ouvidos que esse Templo de minha alma pode ser reconstruído e voltar a ter exatamente a mesma forma de antes. Pensamento estranho: se Brahma refizer com exatidão o trabalho que Shiva tão cuidadosamente destruiu, isso não seria meramente a continuação de Maya? Lembremos a canção de um mestre: o grão morre para nascer trigo, e só morrendo o trigo nasce pão.
Do lado da Esperança surge uma outra criatura. Parece filha de Pandora, tem um senso de humor negro apurado, e atende pelo nome de Dúvida. Talvez ela venha a ser minha mais fiel companheira de caminhada por esses próximos dias. Tudo é tão novo, e mesmo as imagens antes familiares, quase atávicas, se vestem com novas fantasias, usam máscaras. E essas máscaras tanto provocam risos quanto assustam.
No fundo não sei quem tem razão, se Brahma, Shiva, ou nenhum dos dois. Mas de uma coisa tenho certeza: não sei que feição terá o novo Templo de minha alma, mas como pedreiro-livre, ou como carpinteiro do universo, ou carpinteiro de mim, alguma coisa precisa ser construída. Que face terá esse novo Templo?