sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

ANJOS EM FORMA DE GENTE!


Mas é preciso ter força
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria


Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida....

(da canção “Maria, Maria”, de Milton Nascimento e Fernando Brandt)


          Eu já havia afirmado em textos anteriores: o ser humano é capaz de chegar, desde aos mais sublimes atos de bondade, até às mais vis das atrocidades, tudo ao mesmo tempo. E ao longo desses dias de tragédia na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, temos visto tanto gestos de solidariedade e compaixão quanto as piores demonstrações de perversidade por parte das pessoas. Anjos e demônios convivendo lado a lado, dentro desse universo complexo chamado ser humano.
           Não quero falar muito acerca do lado da maldade, registrando apenas a existência de algumas pessoas sem coração, que resolvem se aproveitar até mesmo de tragédias dessa magnitude, para tentar ganhar algum dinheiro fácil. Monstros em forma de gente, como comerciantes se aproveitando dos acontecimentos para super-faturar alguns de seus produtos. Antes de começarem a chegar os donativos, houve quem vendesse uma garrafa de água mineral de um litro por VINTE REAIS, e um botijão de gás de cozinha chegou a custar NOVENTA REAIS. Além disso, a polícia prendeu outros monstros humanos, que tentavam desviar caminhões lotados de donativos, para vender em outras localidades. Nessas horas, muita gente defende a pena de morte para casos específicos dessa natureza, e eu, que sou radicalmente contra a Pena Capital, acabo ficando sem ter o que dizer.
           Mas graças a Deus, nosso mundo não é habitado apenas por demônios, e eu também posso usar essas linhas para falar sobre pessoas, cujo exemplo de superação os tornaram verdadeiros anjos, luzes que devem deixar marcas profundas em nossos corações. Eu, pelo menos, jamais serei o mesmo, depois de ter conhecido essas lições de vida. Vou citar três exemplos, apenas três, mas que valem por mil maus exemplos que nos possam ser dados.
           Vamos começar por Laerte Calil de Freitas, prefeito do pequeno município de Areal, situado a 40km de Petrópolis. Ao perceber um aumento anormal no nível das águas dos rios que cortam a cidade, ele imediatamente entrou em contato com um município vizinho, situado rio acima. Confirmando as inundações, que fatalmente também atingiriam Areal, Laerte acionou um carro de som de uma rádio comunitária local, para avisar os moradores ribeirinhos, pedindo para eles saírem de suas casas o mais rapidamente possível. Resultado: a enchente atingiu o município, diversas casas foram destruídas, levadas pela correnteza, inclusive a casa do motorista do carro de som, mas ninguém morreu; as perdas foram apenas materiais.
           O segundo anjo se chama Leandro Machado. Pedreiro de profissão, e conhecedor como poucos do interior do município de Nova Friburgo, onde mora, seus conhecimentos foram decisivos para indicar as melhores formas de acesso a diversas áreas isoladas. Todavia, enquanto trabalhava como voluntário, chegou-lhe a notícia trágica: sua própria casa havia sido atingida, e sua esposa e seu filho, de apenas dois anos de idade, estavam mortos. Atordoado com a notícia, Leandro tomou uma decisão que surpreendeu até mesmo os bombeiros, acostumados a lidar com tragédias: como não tinha mais como ajudar a própria família, Leandro resolveu continuar ajudando os outros, e seguiu em frente com seu serviço voluntário. Desrespeito para com seus familiares mortos? Com toda certeza, sua esposa e seu filho discordariam, e aposto que de lá do céu ambos estão aplaudindo, orgulhosos de seu herói.
           Por fim, preciso falar de um anjo de nome Wellington da Silva Guimarães. Depois de deixar seu filho Nicolas, de apenas sete meses de idade, para passar o dia com a avó materna, Wellington vai à casa de sua sogra, juntamente com sua esposa, para buscar a criança e voltar para casa. Contudo, por conta da chuva já pesada, o casal decide dormir na casa da sogra de Wellington. Durante a madrugada, um deslizamento de barreira atingiu a casa. A esposa e a sogra de Wellington sucumbem ao incidente. Wellington, preso pela lama em um espaço de aproximadamente um metro quadrado, vê seu filho com vida. Heroicamente, ele consegue tirar as roupinhas molhadas de Nicolas, e faz uso de uma fronha, e de seu próprio corpo, para manter o bebê aquecido. Por instinto ou por iluminação divina, Wellington usa sua própria língua para tentar alimentar seu filho com sua saliva. O gesto também acaba servindo para fazer Nicolas dormir quase o tempo todo, como se a língua de seu pai fosse o seio de sua mãe. Após um período de treze a quinze horas nessa situação, segundo as pessoas que fizeram o resgate, pai e filho são finalmente retirados da lama com vida. Enquanto resgatavam a criança, as pessoas em volta ouviam Wellington falar a seu filho: “tenha coragem, porque você ainda tem um mundo para enfrentar lá fora”. Talvez o “mundo lá fora” seja realmente mais cruel do que o mar de lama no qual eles estavam presos. Dias depois, em entrevista a uma rádio, Wellington se diz confortado com a perda de sua mulher e sua sogra, e está certo de que Deus tem um propósito para tudo o que acontece. Diz ainda que Deus o abençoou de tal forma, a ponto dele perder a noção do tempo enquanto estava naquele inferno. Wellington só soube quanto tempo ficou lá por intermédio de seus resgatantes. Jesus diria dele a mesma coisa que disse do centurião romano que pediu a cura de seu servo: “Ouvindo isto, admirou-se Jesus e disse aos que o seguiam: Em verdade vos afirmo que nem mesmo em Israel achei fé como esta” (Mt 8:10).
           Lamento pelos monstros que surgiram ao longo desses acontecimentos, tentando tirar proveito da desgraça alheia. Só posso rogar a Deus que lhes toque os corações, e os façam ver as atrocidades que eles vinham cometendo. Mas por outro lado, os anjos citados acima me enchem o peito de esperança, e me trazem algum conforto em meio a essa tragédia toda, além de me fazer refletir sobre a pequenez de meus próprios problemas, que muitas vezes eu acabo super-valorizando. Perto disso tudo eles não são nada. Diante do que assolou aquela gente, minhas dores são apenas cócegas. E talvez as suas também o sejam, amado leitor.
           Parabéns, Laerte. Parabéns Leandro. Parabéns Wellington. Vocês são meus heróis. Vocês me fazem não perder as esperanças. Graças a vocês, e a exemplos como os seus, eu ainda consigo acreditar em um mundo melhor! Que Deus continue a dar a vocês essa Força, essa Fé e essa Paz. E que Deus levante da terra cada vez mais heróis como vocês. O mundo precisa disso, e agradece.
 

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